Um poema bem engraçado para o dia: Amichai, em interação imaginosa ou
real com uma aeromoça, dialoga com ela de forma cifrada, a partir de ordens ou
afirmações que ficam pela metade, pois não se estendem a oferecer maiores detalhes
sobre o ponto até onde ambos pretendem chegar – ainda que se possa presumi-lo
por simples inferência.
Mas a moça está “vacinada” contra investidas de “aventureiros” do amor,
pois que, segundo o poeta, “pertence ao partido conservador / dos amantes de um
só grande amor na vida”. Conclusão: o contato não passará de trivial interação nesse
meio tão fugaz para se ter algo que represente mais estabilidade nas relações
humanas.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
A Aeromoça
A aeromoça disse para
apagarmos todo material de fumar
ela não detalhou,
cigarro, charuto ou cachimbo.
Respondi-lhe no meu
coração: Tu tens um belo material
de amar,
eu também não
detalhei.
Ela disse para eu
apertar o cinto e me prender
na poltrona, eu lhe
respondi:
Queria que todas as
fivelas na minha vida tivessem a forma
da sua boca.
Ela disse: Tu queres
café agora ou depois,
ou de modo algum. E
passou por mim.
Alta até os céus.
A pequena cicatriz no
alto do seu braço
atestava que ela
jamais será atingida pela varíola.
Os seus olhos
atestavam que ela jamais se apaixonará de novo:
ela pertence ao
partido conservador
dos amantes de um só
grande amor na vida.
Beleza parisiense
(Konstantin Razumov:
pintor russo)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. A aeromoça. Tradução
de Moacir Amâncio. In: __________. Terra
e paz: antologia poética. Organização e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed.
Rio de Janeiro, RJ: Bazar do Tempo, 2018. p. 87.
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