O poeta alagoano está no seu melhor, neste esforço de imaginação, à
espera que o mundo à sua volta ouse emergir de uma flor absurda como a vida, num
país como tantos outros que brotam enquanto hipóteses fecundas do pensamento, a
modo de ilhas fictícias jamais nascidas, ou melhor, sem existência real.
Lêdo rememora o instante das grandes navegações da História, quando
muitos povos – o português aí incluso – buscavam rotas até o Oriente, onde
poderiam comerciar menos dispendiosamente as especiarias e os bens produzidos a
tão grande distância: eis aí o imaginário capturado pelo que logra impregnar o espírito,
a partir de “uma janela aberta sobre a Ásia”.
J.A.R. – H.C.
Lêdo Ivo
(1924-2012)
Os Andaimes do Mundo
Minha vida é como uma
janela aberta sobre a Ásia.
Professo o imaginário
e, neste rito,
renasço a contemplar
o inexistente
que fulge à luz do
meu trópico de água
como essas ilhas
fictícias que não se ajustam às horas
triviais dos
navegantes,
terras jamais
nascidas, horizontes pensados.
Os países são
hipóteses de segredos
que aparecem e somem,
ante o assombro da Terra.
Imóvel ou caminhando,
vejo sempre os polos
com suas chuvas
rápidas e suas esfinges entre andaimes,
e principalmente,
meus amigos, com essa atmosfera de
última estação
que intriga todos os
que nasceram no centro do mundo.
Além de minhas
pálpebras, onde o pensamento é de sal
como se uma lágrima o
houvera ungido,
haverá um país claro
e perfeito, de tão doce desenho
como as pedras
femininas da noite.
Ó estátuas solares,
caídas ao peso de tantas flechas...
Vejo uma flor,
absurda como a vida.
Onde a água dormida
canta, em outrora ninhos de coral,
aí eu te verei
novamente,
desolada vida, em
tudo semelhante aos desertos reais.
Invenção sucessiva de
mim mesmo,
ó dias, feras domadas,
ó dias de minha vida,
sumidouro onde
afundo, incógnito.
Em: “Linguagem” (1950-1951)
Perdida em pensamentos
(Dusan Malobabic:
pintor australiano)
Referência:
IVO, Lêdo. Os andaimes do mundo. In:
__________. Central poética: poemas
escolhidos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar; Brasília, DF: INL, 1976. p. 97.
(‘Manancial’; v. 48)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário