Com seis tercetos com rima “aba”, esta seção das trovas de Hilst dialoga
com o famoso soneto de
Camões, quer pelo linguajar característico empregado, assaz comum nos sonetos
do autor lusitano, quer por se associar à ideia sintetizada no verso definidor do
amor – “É dor que desatina sem doer”.
E pelo sentido que se pode extrair do derradeiro terceto, percebe-se que
a poetisa dedica ao seu senhor um amor que se pretende eterno, embora algo assemelhado
ao do segundo terceto do “Soneto à Fidelidade”,
de Vinicius de Moraes: “Eu possa me dizer do amor (que tive): / Que não seja
imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
XIX, Trovas de muito amor
para um amado senhor
Se amor é merecimento
Tenho servido a Deus
Mui a contento.
Se é vosso meu
pensamento
Em verdade vos dei
Consentimento.
E se mereci tal vida
Plena de amor e
serena
Foi muito bem
merecida.
E em me sabendo
querida
Dos anjos e do meu
Deus
Na morte pressinto a
vida.
E o que se diz
sofrimento
No meu sentir é agora
Contentamento.
E se amor morre com o
tempo
Amor não é o que
sinto
Neste momento.
(1960)
Almoço sobre o relvado
(Édouard Manet:
pintor francês)
Referência:
HILST, Hilda. XIX, Trovas de muito amor
para um amado senhor. In: __________. De
amor tenho vivido. Ilustrações de Ana Prata. 1. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2018. p. 70.
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