Mais uma tradução de tradução de Rumi, esse grande místico e poeta
persa: somos, segundo ele, alguém que se expressa por nossa boca, enxerga por
nossos olhos, escuta por nossos ouvidos. Um ente, enfim, que, quando estivermos
sóbrios, seremos capazes de vislumbrar-lhe a perfeição, escapando desta “masmorra
para bêbados”.
A menção final de Rumi ao vinho e seus efeitos fez-me lembrar de certas
passagens do “Rubaiyat”, do também persa Omar Khayyam, cujas quadras mantêm-se
resistentes ante a natureza contingente da vida humana: são versos carregados
de alusões à bebida, ao seu apelo ancestral, aos efeitos que nutrem a alma, às
alegrias que fervilham o espírito...
J.A.R. – H.C.
Jalal al-din Rumi
(1207-1273)
Who Says Words with My Mouth?
All day I think about
it, then at night I say it.
Where did I come
from, and what am I supposed to be doing?
I have no idea,
My soul is from
elsewhere, I’m sure of that,
and I intend to end
up there.
This drunkenness
began in some other tavern.
When I get back around
to that place,
I’ll be completely sober.
Meanwhile,
I’m like a bird from
another continent, sitting in this aviary.
The day is coming
when I fly off,
but who is it now in
my ear, who hears my voice?
Who says words with
my mouth?
Who looks out with my
eyes? What is the soul?
I cannot stop asking.
If I could taste one
sip of an answer,
I could break out of
this prison for drunks.
I didn’t come here of
my own accord, and I can’t leave that way.
Whoever brought me
here will have to take me home.
This poetry. I never
know what I’m going to say,
I don’t plan it.
When I’m outside the
saying of it,
I get very quiet and
rarely speak at all.
***
We have a huge barrel
of wine, but no cups.
That’s fine with us.
Every morning
We glow and in the
evening we glow again.
They say there’s no
future for us. They’re right.
Which is fine with
us.
A Paz de Espírito
(Irina Meye: pintora
alemã)
Quem Fala por Minha Boca?
Passo o dia todo
pensando nisso, e pela noite o exprimo.
De onde venho e o que
se supõe que eu deva fazer?
Não tenho nem ideia.
Minha alma é de outro
lugar, disso estou seguro,
E é lá que tenciono
findar.
Essa embriaguez
começou em alguma outra taverna.
Quando voltar a
passar por esse lugar,
Estarei completamente
sóbrio. Enquanto isso,
Sou como um pássaro
de outro continente, pousado neste viveiro.
Aproxima-se o dia em
que sairei voando,
Porém quem está agora
em meu ouvido, quem escuta a minha voz?
Quem fala por minha
boca?
Quem olha com meus
olhos? O que é a alma?
Não posso deixar de perguntar.
Se me fosse possível
provar um trago de resposta
Poderia escapar desta
prisão para bêbados.
Não vim aqui por
vontade própria, tampouco posso partir assim.
Quem quer que me haja
trazido aqui terá que levar-me para casa.
Esta poesia... Jamais
atino sobre o que hei de dizer,
Quando estou longe de
a declamar,
Fico muito quieto e
raramente falo algo.
***
Temos um enorme tonel
de vinho, mas faltam-nos taças.
Tudo nos corre muito
bem. Todas as manhãs
Ruborizamos e ao
anoitecer voltamos a ruborizar.
Eles dizem que não
temos futuro. E estão certos.
O que se nos afigura
perfeito.
Referência:
RUMI, Jalal al-din. Who says words with
my mouth? Translated from the Persian by John Moyne and Coleman Barks. In:
PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). Americans’
favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W.
Norton, 2000. p. 243.
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