Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Rumi - Quem Fala por Minha Boca?

Mais uma tradução de tradução de Rumi, esse grande místico e poeta persa: somos, segundo ele, alguém que se expressa por nossa boca, enxerga por nossos olhos, escuta por nossos ouvidos. Um ente, enfim, que, quando estivermos sóbrios, seremos capazes de vislumbrar-lhe a perfeição, escapando desta “masmorra para bêbados”.

A menção final de Rumi ao vinho e seus efeitos fez-me lembrar de certas passagens do “Rubaiyat”, do também persa Omar Khayyam, cujas quadras mantêm-se resistentes ante a natureza contingente da vida humana: são versos carregados de alusões à bebida, ao seu apelo ancestral, aos efeitos que nutrem a alma, às alegrias que fervilham o espírito...

J.A.R. – H.C.

Jalal al-din Rumi
(1207-1273)

Who Says Words with My Mouth?

All day I think about it, then at night I say it.
Where did I come from, and what am I supposed to be doing?
I have no idea,
My soul is from elsewhere, I’m sure of that,
and I intend to end up there.

This drunkenness began in some other tavern.
When I get back around to that place,
I’ll be completely sober. Meanwhile,
I’m like a bird from another continent, sitting in this aviary.

The day is coming when I fly off,
but who is it now in my ear, who hears my voice?
Who says words with my mouth?

Who looks out with my eyes? What is the soul?
I cannot stop asking.
If I could taste one sip of an answer,
I could break out of this prison for drunks.
I didn’t come here of my own accord, and I can’t leave that way.
Whoever brought me here will have to take me home.

This poetry. I never know what I’m going to say,
I don’t plan it.
When I’m outside the saying of it,
I get very quiet and rarely speak at all.

***

We have a huge barrel of wine, but no cups.
That’s fine with us. Every morning
We glow and in the evening we glow again.

They say there’s no future for us. They’re right.
Which is fine with us.

A Paz de Espírito
(Irina Meye: pintora alemã)

Quem Fala por Minha Boca?

Passo o dia todo pensando nisso, e pela noite o exprimo.

De onde venho e o que se supõe que eu deva fazer?
Não tenho nem ideia.
Minha alma é de outro lugar, disso estou seguro,
E é lá que tenciono findar.

Essa embriaguez começou em alguma outra taverna.
Quando voltar a passar por esse lugar,
Estarei completamente sóbrio. Enquanto isso,
Sou como um pássaro de outro continente, pousado neste viveiro.

Aproxima-se o dia em que sairei voando,
Porém quem está agora em meu ouvido, quem escuta a minha voz?
Quem fala por minha boca?

Quem olha com meus olhos? O que é a alma?
Não posso deixar de perguntar.
Se me fosse possível provar um trago de resposta
Poderia escapar desta prisão para bêbados.
Não vim aqui por vontade própria, tampouco posso partir assim.
Quem quer que me haja trazido aqui terá que levar-me para casa.

Esta poesia... Jamais atino sobre o que hei de dizer,
Não a planejo.
Quando estou longe de a declamar,
Fico muito quieto e raramente falo algo.

***

Temos um enorme tonel de vinho, mas faltam-nos taças.
Tudo nos corre muito bem. Todas as manhãs
Ruborizamos e ao anoitecer voltamos a ruborizar.

Eles dizem que não temos futuro. E estão certos.
O que se nos afigura perfeito.

Referência:

RUMI, Jalal al-din. Who says words with my mouth? Translated from the Persian by John Moyne and Coleman Barks. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). Americans’ favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 243.

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