Em homenagem ao Dia dos Pais, hoje a transcorrer, transcrevo um poema de
Neruda, traduzido ao português pelo também poeta Carlos Nejar, no qual são
reacesas pelo chileno as reminiscências de quando vivo era o seu pai, José del
Carmen Reyes, um homem enrijecido pela lida da vida, um ferroviário a rumar em
trens para destinos os mais variados, até que, em dado momento – metaforicamente,
presume-se! – subiu numa locomotiva, rumo a paragem de onde ninguém jamais
voltou.
As impressões de um homem a adentrar a casa como um tufão, depois de
mais um dia de trabalho árduo, é o que assoma nos versos de Neruda. E o poeta
arremata em síntese: “o ferroviário é marinheiro em terra e nos pequenos portos
sem marinha”. Deduz-se, por conseguinte, que as tormentas, tão comuns nos mares,
são replicadas em terra em lugares não suficientemente adaptados a suportá-las.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
El Padre
El padre brusco
vuelve
de sus trenes:
reconocimos
en la noche
el pito
de la locomotora
perforando la lluvia
con un aullido
errante,
un lamento nocturno,
y luego
la puerta que
temblaba:
el viento en una
ráfaga
entraba con mi padre
y entre las dos
pisadas y presiones
la casa se sacudía,
las puertas asustadas
se golpeaban con seco
disparo de pistolas,
las escalas gemían
y una alta voz
recriminaba, hostil,
mientras la tempestuosa
sombra , la lluvia
como catarata
despeñada en los
techos
ahogaba poco a poco
el mundo
y no se oía nada más
que el viento
peleando con la
lluvia.
Sin embargo, era
diurno.
Capitán de su tren,
del alba fría,
y apenas despuntaba
el vago sol, allí estaba
su barba,
sus banderas
verdes y rojas,
listos los faroles
el carbón de la
máquina en su infierno,
la Estación con los
trenes en la bruma
y su deber hacia la
geografía.
el ferroviario es
marinero en tierra
y en los pequeños
puertos sin marina
– pueblos del bosque
– el tren corre que corre
desenfrenando la
naturaleza,
cumpliendo su
navegación terrestre.
Cuando descansa el
largo tren
se juntan los amigos,
entran, se abren las
puertas de mi infancia,
la mesa se sacude,
al golpe de una mano
ferroviaria
chocan los gruesos
vasos del hermano
y destella
el fulgor
de los ojos del vino.
Mi pobre padre duro
allí estaba, en el
eje de la vida,
la viril amistad, la
copa llena.
su vida fue una
rápida milicia
y entre su madrugar y
sus caminos,
entre llegar para
salir corriendo,
un día con más lluvia
que otros días
el conductor José del
Carmen Reyes
subió al tren de la
muerte y hasta ahora
no ha vuelto.
Pai e filho: primeiro passeio de bicicleta
(Vickie Wade: pintora
norte-americana)
O Pai
O pai regressa brusco
de seus trens;
reconhecemos
na noite
o apito
da locomotiva
perfurando a chuva
com uivo errante,
um lamento noturno,
e logo
a porta que tremia:
numa rajada o vento
entrava com meu pai
e entre os dois
passos e pressões
a casa
estremecia,
as portas assustadas
se golpeavam com seco
disparo de pistolas,
as escadas gemiam
e uma alta voz
recriminava, hostil,
enquanto a
tempestuosa
sombra, a chuva como
catarata
despenhada nos
telhados
afogava pouco a pouco
o mundo
e não se ouvia nada
mais que o vento
pelejando com a
chuva.
E contudo, era diurno.
Capitão de seu trem,
da aurora fria,
e apenas despontava
o vago sol, ali
estava sua barba,
suas bandeiras
verdes e rubras,
prontos os faróis,
o carvão da máquina
em seu inferno,
a Estação com os
trens na bruma
e seu dever para com
a geografia.
O ferroviário é
marinheiro em terra
e nos pequenos portos
sem marinha
– vilas do bosque – o
trem corre que corre
desenfreando a
natureza,
cumprindo sua
navegação terrestre.
Quando descansa o
longo trem
se juntam os amigos,
entram, abrem-se as
portas de minha infância,
a mesa estremece,
ao golpe de uma mão
ferroviária
chocam-se os grossos
copos do irmão
e cintila
o fulgor
dos olhos do vinho.
Meu pobre pai duro
ali estava, no eixo
da vida,
a viril amizade, o
copo cheio.
Sua vida foi uma
rápida milícia
e entre seu madrugar
e seus caminhos,
entre chegar para
sair correndo,
um dia com mais chuva
que outros dias
o condutor José del
Carmen Reyes
subiu ao trem da
morte e até agora não
voltou.
Referência:
NERUDA, Pablo. El padre / O Pai.
Tradução de Carlos Nejar. In: __________. Memorial
de Ilha Negra, v. I: Donde nasce a chuva. Tradução de Carlos Nejar. Rio de
Janeiro, RJ: Salamandra, 1977. Em espanhol: p. 18 e 20; em português: p. 19 e
21.
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