Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 3 de agosto de 2019

Nauro Machado - Ofício

A transitoriedade do mundo, sob a visão do poeta, reflete-se no ser que ocupa um espaço que não é seu, senão do universo. E mesmo o seu mister é um enfado – datilografar ofícios ou outros documentos numa máquina Remington –, ao tempo que recebe impropérios cujos efeitos se dirigem ao inferno, como “se inferno houvesse pior que este inumano existir burocrático”.

Deveríamos sublinhar, a bem dizer, que a atualização do poema para os dias que correm deveria fazer menção a um ‘desktop’ ou a um ‘notebook’, pois máquinas de datilografar há muito já se foram dos escritórios de Pindorama, tendo sido jogadas a escanteio. Terá sido esse também o destino do poeta? (rs)...

J.A.R. – H.C.

Nauro Machado
(1935-2015)

Ofício

Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui,
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater
serviços de excrementos em papéis caídos
numa máquina Remington, ou outra qualquer.
E me mandam ao inferno, se inferno houvesse
pior que este inumano existir burocrático.
E depois há o escárnio da minha província.
E a minha vida para cima e para baixo,
para baixo sem cima, ponte umbilical
partida, raiz viva de morta inocência.
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui?
E depois ninguém sabe mesmo do espaço
que ocupo, desnecessário espaço de pernas
e de braços preenchendo o vazio que eu sou.
E o mundo, triste bronze de um sino rachado
o mundo restará o mesmo sem minha quota
de angústia e sem minha parcela de nada.

O Burocrata
(Joe Slucher: ilustrador norte-americano)

Referência:

MACHADO, Nauro. Ofício. In: __________. Melhores poemas: Nauro Machado. Seleção de Hildeberto Barbosa Filho. São Paulo, SP: Global, 2005. p. 79. (Coleção “Melhores Poemas”; 50)

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