Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Carlos Nejar - Luís Vaz de Camões

Decerto, este poema de Nejar, dedicado a Camões – e Camões a exprimir-se imaginosamente em primeira pessoa – é um dos mais, senão o mais belo escrito poético brasileiro sobre o grande poeta português. Não sem motivos, Moriconi o selecionou entre os cem melhores do século passado.

O poeta estaria a elucubrar sobre os contratempos em que se meteu e as injustiças que lhe foram cometidas, a despeito de – distintamente de seus detratores – muito tenha amado a pátria lusitana e, mais do que ninguém, civilizado o idioma português. Caetano que o diga em “Língua”: “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões (...)”.

Mas há quem a destrate sobremaneira, como um certo ex-juiz da “República de Curitiba”, depois ministro, mais parecendo que a máxima pessoana – “Minha pátria é minha língua” – teria sido lançada ao mar: “English is the best language”, diria o indigitado!

J.A.R. – H.C.

Carlos Nejar
(n. 1939)

Luís Vaz de Camões

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi reposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de tantos filhos.

Luís Vaz de Camões
(Representação de autoria desconhecida)
(1524-1580)

Referência:

NEJAR, Carlos. Luiz Vaz de Camões. In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 143-144.

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