Decerto, este poema de Nejar, dedicado a Camões – e Camões a exprimir-se
imaginosamente em primeira pessoa – é um dos mais, senão o mais belo escrito
poético brasileiro sobre o grande poeta português. Não sem motivos, Moriconi o
selecionou entre os cem melhores do século passado.
O poeta estaria a elucubrar sobre os contratempos em que se meteu e as
injustiças que lhe foram cometidas, a despeito de – distintamente de seus
detratores – muito tenha amado a pátria lusitana e, mais do que ninguém, civilizado
o idioma português. Caetano que o diga em “Língua”: “Gosto de sentir a minha
língua roçar a língua de Luís de Camões (...)”.
Mas há quem a destrate sobremaneira, como um certo ex-juiz da “República
de Curitiba”, depois ministro, mais parecendo que a máxima pessoana – “Minha
pátria é minha língua” – teria sido lançada ao mar: “English is the best language”,
diria o indigitado!
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(n. 1939)
Luís Vaz de Camões
Não sou um tempo
ou uma cidade
extinta.
Civilizei a língua
e foi reposta em cada
verso.
E à fome,
condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu
sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E
agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o
túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou
mendigo
de uma pátria. Mas da
língua
que me conhece e
espera.
E a razão que não me
dais,
eu crio. Jamais
pensei
ser pai de tantos
filhos.
Luís Vaz de Camões
(Representação de
autoria desconhecida)
(1524-1580)
Referência:
NEJAR, Carlos. Luiz Vaz de Camões. In:
MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do
século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 143-144.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário