Se outro não for o sentido atribuível ao irônico poema do tradutor e poeta
carioca, está ele instando o escritor a não fazer de sua obra poética um varal
catártico, como se estivesse no divã de um psicanalista, expectorando todas as
vicissitudes por que passou em vida, tampouco a transforme num vale por onde
fluem rios de pura sacarose.
A ênfase visual na imagem de alguém a meter o dedo no nariz para de lá
retirar a meleca ressequida presta-se bem à intenção do poeta em expor o
pretenso escritor à vergonha pública e à reprovação da audiência. Para mais, a
associação estende-se a algumas músicas clássicas que, de tanto tocar,
tornam-se enjoativas, como a nomeada “Valsa do Imperador”, de Johann Strauss II,
e, por que não mencionar?!, a edulcorada “Por Elisa”, de Beethoven – empregada
pela empresa distribuidora de gás em bujões como forma de manifestar a sua
presença nas imediações, em plena “Pauliceia Desvairada”!
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques Britto
(n. 1951)
Um pouco de Strauss
Não escrevas versos
íntimos, sinceros,
como quem mete o dedo
no nariz.
Lá dentro não há nada
que compense
todo esse trabalho de
perfuratriz,
só muco e lero-lero.
Não faças poesias
melodiosas
e frágeis como essas
caixinhas de música
que tocam a “Valsa do
Imperador”.
É sempre a mesma
lengalenga estúpida,
sentimental, melosa.
Esquece o eu, esse
negócio escroto
e pegajoso, esse mal
sem remédio
que suga tudo e não
dá nada em troca
além de solidão e
tédio:
escreve pros outros.
Mas se de tudo que há
no vasto mundo
só gostas mesmo é
dessa coisa falsa
que se disfarça
fingindo se expressar,
então enfia o dedo no
nariz, bem fundo,
e escreve, escreve
até estourar. E tome valsa.
Natureza-morta com violino e rosas
(Maureen Hyde:
artista norte-americana)
Referência:
BRITTO, Paulo Henriques. Um pouco de
Strauss. In: __________. Trovar claro.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1997. p. 85.
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