Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Paulo Henriques Britto - Um pouco de Strauss

Se outro não for o sentido atribuível ao irônico poema do tradutor e poeta carioca, está ele instando o escritor a não fazer de sua obra poética um varal catártico, como se estivesse no divã de um psicanalista, expectorando todas as vicissitudes por que passou em vida, tampouco a transforme num vale por onde fluem rios de pura sacarose.

A ênfase visual na imagem de alguém a meter o dedo no nariz para de lá retirar a meleca ressequida presta-se bem à intenção do poeta em expor o pretenso escritor à vergonha pública e à reprovação da audiência. Para mais, a associação estende-se a algumas músicas clássicas que, de tanto tocar, tornam-se enjoativas, como a nomeada “Valsa do Imperador”, de Johann Strauss II, e, por que não mencionar?!, a edulcorada “Por Elisa”, de Beethoven – empregada pela empresa distribuidora de gás em bujões como forma de manifestar a sua presença nas imediações, em plena “Pauliceia Desvairada”!

J.A.R. – H.C.

Paulo Henriques Britto
(n. 1951)

Um pouco de Strauss

Não escrevas versos íntimos, sinceros,
como quem mete o dedo no nariz.
Lá dentro não há nada que compense
todo esse trabalho de perfuratriz,
só muco e lero-lero.

Não faças poesias melodiosas
e frágeis como essas caixinhas de música
que tocam a “Valsa do Imperador”.
É sempre a mesma lengalenga estúpida,
sentimental, melosa.

Esquece o eu, esse negócio escroto
e pegajoso, esse mal sem remédio
que suga tudo e não dá nada em troca
além de solidão e tédio:
escreve pros outros.

Mas se de tudo que há no vasto mundo
só gostas mesmo é dessa coisa falsa
que se disfarça fingindo se expressar,
então enfia o dedo no nariz, bem fundo,
e escreve, escreve até estourar. E tome valsa.

Natureza-morta com violino e rosas
(Maureen Hyde: artista norte-americana)

Referência:

BRITTO, Paulo Henriques. Um pouco de Strauss. In: __________. Trovar claro. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1997. p. 85.

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