Nos meandros especulativos do poeta sobressai a dúvida primordial sobre
a origem de tudo: se nós, ao racionalizarmos a realidade, inventamos o mundo,
ou, pelo contrário, seja o mundo a nos inventar?! Eis o discurso que se difunde
pelos filamentos aracnídeos dessa incerteza...
Sonhos são capazes de compor um universo transmutado pelos filtros do
inconsciente – ou talvez o universo real nem exista, pois estamos nele e
incapazes de uma mirada de segundo grau. E se a vida é sonho, como o afirma o
dramaturgo e poeta espanhol, que seja em nome do bem, para que a humanidade
torne-se capaz de escapar ao cárcere da caverna platônica.
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(n. 1939)
Talvez
Talvez o universo não
exista.
Seja apenas a sombra
fugitiva
da ideia de universo;
ou talvez
seja a perdida
infância, o clarão
de alguma
inteligência subitânea.
Sim, talvez não
exista. Seja um medo
de haver mais
testemunhos, relações,
afetos exteriores ou
temidos,
ou mero espectador de
algum incêndio
havido e não sabido
ou antecipado
para que reste cinza,
cinza e vão.
Ou nada reste de um
sistema,
uma harmonia cósmica,
o pavor
de alguém nos
assistir, estando ausente.
Não existe universo,
nem o dia
ou a noite. Nós
inventamos tudo,
inventamos a nós
mesmos
e esquecermos a
fórmula, o entrecho,
inventando o
esquecimento.
Ou é inventação o
pensamento,
uma argúcia
engendrada pelos deuses
de se engendrarem
juntos, nos pensando.
Ou o universo seja
apenas quando
cessarmos de existir,
desentocando
o mistério maior,
aquele plasma
que rege a potestade,
ou a forma insone
de se viver, morrido,
com o corpo
exilado num outro. O
universo
se compõe, se
dormimos. Ele existe.
Sobrevive tangível
quando amamos
ou tontos
despertamos. O universo
perturba, ferve, nos
corrói. E assoma.
Continuará depois que
sepultarmos
essa continuação,
toda a vontade
e a matéria restrita
ou desatenta.
E talvez o universo
nos inventa.
Harmonia Cósmica I
(Maximo Laura:
artista peruano)
Referência:
NEJAR, Carlos. Talvez. In: __________. Os melhores poemas de Carlos Nejar.
Seleção de Regina Célia Colônia. São Paulo, SP: Global, 1984. p. 164-165. (‘Os
Melhores Poemas’; nº 10)
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