Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Carlos Nejar - Talvez

Nos meandros especulativos do poeta sobressai a dúvida primordial sobre a origem de tudo: se nós, ao racionalizarmos a realidade, inventamos o mundo, ou, pelo contrário, seja o mundo a nos inventar?! Eis o discurso que se difunde pelos filamentos aracnídeos dessa incerteza...

Sonhos são capazes de compor um universo transmutado pelos filtros do inconsciente – ou talvez o universo real nem exista, pois estamos nele e incapazes de uma mirada de segundo grau. E se a vida é sonho, como o afirma o dramaturgo e poeta espanhol, que seja em nome do bem, para que a humanidade torne-se capaz de escapar ao cárcere da caverna platônica.

J.A.R. – H.C.

Carlos Nejar
(n. 1939)

Talvez

Talvez o universo não exista.
Seja apenas a sombra fugitiva
da ideia de universo; ou talvez
seja a perdida infância, o clarão
de alguma inteligência subitânea.
Sim, talvez não exista. Seja um medo
de haver mais testemunhos, relações,
afetos exteriores ou temidos,
ou mero espectador de algum incêndio
havido e não sabido ou antecipado
para que reste cinza, cinza e vão.

Ou nada reste de um sistema,
uma harmonia cósmica, o pavor
de alguém nos assistir, estando ausente.
Não existe universo, nem o dia
ou a noite. Nós inventamos tudo,
inventamos a nós mesmos
e esquecermos a fórmula, o entrecho,
inventando o esquecimento.

Ou é inventação o pensamento,
uma argúcia engendrada pelos deuses
de se engendrarem juntos, nos pensando.
Ou o universo seja apenas quando
cessarmos de existir, desentocando
o mistério maior, aquele plasma
que rege a potestade, ou a forma insone
de se viver, morrido, com o corpo
exilado num outro. O universo
se compõe, se dormimos. Ele existe.
Sobrevive tangível quando amamos
ou tontos despertamos. O universo
perturba, ferve, nos corrói. E assoma.
Continuará depois que sepultarmos
essa continuação, toda a vontade
e a matéria restrita ou desatenta.

E talvez o universo nos inventa.

Harmonia Cósmica I
(Maximo Laura: artista peruano)

Referência:

NEJAR, Carlos. Talvez. In: __________. Os melhores poemas de Carlos Nejar. Seleção de Regina Célia Colônia. São Paulo, SP: Global, 1984. p. 164-165. (‘Os Melhores Poemas’; nº 10)

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