A visão de um garoto que se tornou maduro vendo as reses da fazenda onde
os seus ascendentes trabalhavam, retirando leite e carne para abastar não a
casa dos que a eles se assemelham – “os carnívoros empobrecidos” –, senão outras
classes sociais capazes de adquirir tais produtos, depois que o preço foi
multiplicado “n” vezes acima do custo incorrido: tal é a matéria do poema de
hoje.
São as dificuldades por que passa o trabalhador “barnabé”, mal pago e,
por isso mesmo, vivendo em desconforto, carente de oportunidades para avançar com
os seus na vida, porque sem recursos para a instrução, neste país que tem uma
das mais pernósticas distribuições de renda do mundo.
J.A.R. – H.C.
Homero Homem
(1921-1991)
Lamento do brasileiro
carnívoro empobrecido
Também já fui menino
de fazenda
muito mais dado ao
leite que ao filé.
Vovô, senhor de
engenho e muita cria,
comprava o boi por
seiscentas pratas.
Ele vinha mugindo,
boi em pé.
Depois virei garoto
da cidade
amoroso de fruta e
picolé.
Papai agricultor
empobrecido
pelo preço do boi em
tempos idos
comprava a manta
gorda de jabá
que o burrinho
ensinado transportava
da feira à casa grande de arrabalde
a carga acomodada em
caçuá.
Hoje operário simples
barnabé
trabalhador no cabo
de uma enxada
apanhador na safra de
café
a troco do salário
que mal chega
para a média com
leite e derivados
da fome do filhinho e
da mulher,
pelo preço do boi
antigamente
compro entrecosto e
abinha de filé.
Ele vem enlatado, sem
mugir
boi da swift, rês de
pouca fé.
Neste país de fome
& frigorífico
de pastagem que tem
mas vai faltar
é preciso mudar já
não direi
o regime do gado mas
da lei
que engorda o boi em
pé e sua grei.
Alimentando um Faminto
(Michael Sweerts:
pintor flamengo)
Referência:
HOMEM, Homero. Lamento do brasileiro
carnívoro empobrecido. In: SANT’ANNA, Affonso Romano de et al. Violão de rua. V. III. Rio de Janeiro,
GB: Civilização Brasileira, 1963. p. 78-79. (“Cadernos do Povo Brasileiro”;
Volume Extra)
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