Depois de, em uma provável viagem de pesca pela Flórida, ter observado
o grau de atrocidades pelas quais passou um grande peixe que fora capturado –
um robalo ou, talvez, uma garoupa –, com suas guelras e mandíbulas danificadas
pelo efeito de anzóis, a poetisa, num gesto de consciência ecológica, liberou-o
novamente às águas.
O espanto e a excitação iniciais transformaram-se, aos poucos, em
admiração e constatação de que não se tratava de um peixe comum, senão de um
vencedor cujas cicatrizes das batalhas enfrentadas comprovavam o seu valor: ele
sequer retorna os olhares que lhe são dirigidos. Um velho lutador, com os
pedaços de ganchos como medalhas de um veterano de guerra, merece a liberdade em
recompensa.
J.A.R. – H.C.
Elizabeth Bishop
(1911-1979)
The Fish
I caught a tremendous
fish
and held him beside
the boat
half out of water,
with my hook
fast in a corner of
his mouth.
He didn’t fight.
He hadn’t fought at
all.
He hung a grunting
weight,
battered and
venerable
and homely. Here and
there
his brown skin hung
in strips
like ancient
wallpaper,
and its pattern of
darker brown
was like wallpaper:
shapes like
full-blown roses
stained and lost
through age.
He was speckled with
barnacles,
fine rosettes of
lime,
and infested
with tiny white
sea-lice,
and underneath two or
three
rags of green weed
hung down.
While his gills were
breathing in
the terrible oxygen
– the frightening
gills,
fresh and crisp with
blood,
that can cut so badly
–
I thought of the
coarse white flesh
packed in like
feathers,
the big bones and the
little bones,
the dramatic reds and
blacks
of his shiny
entrails,
and the pink
swim-bladder
like a big peony.
I looked into his
eyes
which were far larger
than mine
but shallower, and
yellowed,
the irises backed and
packed
with tarnished
tinfoil
seen through the
lenses
of old scratched
isinglass.
They shifted a
little, but not
to return my stare.
– It was more like
the tipping
of an object toward
the light.
I admired his sullen
face,
the mechanism of his
jaw,
and then I saw
that from his lower
lip
– if you could call
it a lip –
grim, wet, and
weaponlike,
hung five old pieces
of fish-line,
or four and a wire
leader
with the swivel still
attached,
with all their five
big hooks
grown firmly in his
mouth.
A green line, frayed
at the end
where he broke it,
two heavier lines,
and a fine black
thread
still crimped from
the strain and snap
when it broke and he
got away.
Like medals with
their ribbons
frayed and wavering,
a five-haired beard
of wisdom
trailing from his
aching jaw.
I stared and stared
and victory filled up
the little rented
boat,
from the pool of
bilge
where oil had spread
a rainbow
around the rusted
engine
to the bailer rusted
orange,
the sun-cracked
thwarts,
the oarlocks on their
strings,
the gunnels – until
everything
was rainbow, rainbow,
rainbow!
And I let the fish
go.
Pesca de Badejo
(Kevin Breyfogle:
pintor norte-americano)
O Peixe
Peguei um tremendo
peixe
e o segurei junto ao
barco,
metade den’d’água, o
anzol
fincado no canto da
boca.
Ele não se debateu.
Nem tentou se safar.
Pesado de doer a mão,
arranhado, venerando,
e feio. A pele pendia
em tiras
pardacentas, feito
papel
de parede
descascando,
com um padrão mais
escuro
igual a papel de
parede:
formas de rosas
abertas
manchadas, difusas
com a idade.
Estava coberto de
cracas,
finas rosetas
calcárias,
e infestado
de pontos brancos de
parasitas,
e andrajos de algas
verdes
grudavam-se no seu
ventre.
Suas guelras
respiravam
o terrível oxigênio
– as guelras
assustadoras,
túmidas de sangue
vivo,
capazes de cortar a
fundo –
e pensei na carne branca,
que se abria como
penas,
espinhas grossas e
finas,
tons vivos, preto e
vermelho,
das vísceras
reluzentes,
e a bexiga natatória,
como uma peônia rosa.
Olhei-o nos olhos,
muito maiores que os
meus,
mas mais rasos,
amarelos,
com um fundo de papel
de alumínio manchado,
visto através de
velhas
lentes de mica arranhadas.
Mexeram-se um pouco,
mas não
para retribuir meu
olhar.
– Era como um objeto
que se inclina para a
luz.
Admirei o rosto
grave,
o mecanismo da
mandíbula,
e então percebi, pendurados
do lábio inferior
– se “lábio” é mesmo
a palavra –
úmido, ameaçador,
cinco velhas linhas
de pescar,
ou quatro e um guia
de arame
ainda com o girador,
e cinco anzóis
grandes
cravados fundo na
boca.
Uma linha verde,
esgarçada
onde partiu, duas
mais grossas
e um fino fio preto,
torcido
pela tensão antes do
instante
em que ele o quebrou
e escapou.
Como medalhas com
fitas
desfiadas,
tremulantes,
barba austera, só
cinco fios,
naquele queixo
sofrido.
Eu olhava, eu olhava,
e a vitória ia
enchendo
o barquinho alugado,
desde a poça d’água
no fundo
com seu arco-íris de
óleo
contornando o motor
ferrugento,
e o balde rubro de
ferrugem,
os bancos rachados de
sol,
as forquetas dos
remos,
as bordaduras – tudo
era
arco-íris, de fora a
fora!
E deixei o peixe ir
embora.
Referência:
BISHOP, Elizabeth. The fish / O peixe. Tradução
de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas
escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de
Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2012. Em inglês: p. 140, 142 e 144; em português: 141, 143 e 145.
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