Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Elizabeth Bishop - O Peixe

Depois de, em uma provável viagem de pesca pela Flórida, ter observado o grau de atrocidades pelas quais passou um grande peixe que fora capturado – um robalo ou, talvez, uma garoupa –, com suas guelras e mandíbulas danificadas pelo efeito de anzóis, a poetisa, num gesto de consciência ecológica, liberou-o novamente às águas.

O espanto e a excitação iniciais transformaram-se, aos poucos, em admiração e constatação de que não se tratava de um peixe comum, senão de um vencedor cujas cicatrizes das batalhas enfrentadas comprovavam o seu valor: ele sequer retorna os olhares que lhe são dirigidos. Um velho lutador, com os pedaços de ganchos como medalhas de um veterano de guerra, merece a liberdade em recompensa.

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

The Fish

I caught a tremendous fish
and held him beside the boat
half out of water, with my hook
fast in a corner of his mouth.
He didn’t fight.
He hadn’t fought at all.
He hung a grunting weight,
battered and venerable
and homely. Here and there
his brown skin hung in strips
like ancient wallpaper,
and its pattern of darker brown
was like wallpaper:
shapes like full-blown roses
stained and lost through age.
He was speckled with barnacles,
fine rosettes of lime,
and infested
with tiny white sea-lice,
and underneath two or three
rags of green weed hung down.
While his gills were breathing in
the terrible oxygen
– the frightening gills,
fresh and crisp with blood,
that can cut so badly –
I thought of the coarse white flesh
packed in like feathers,
the big bones and the little bones,
the dramatic reds and blacks
of his shiny entrails,
and the pink swim-bladder
like a big peony.
I looked into his eyes
which were far larger than mine
but shallower, and yellowed,
the irises backed and packed
with tarnished tinfoil
seen through the lenses
of old scratched isinglass.
They shifted a little, but not
to return my stare.
– It was more like the tipping
of an object toward the light.
I admired his sullen face,
the mechanism of his jaw,
and then I saw
that from his lower lip
– if you could call it a lip –
grim, wet, and weaponlike,
hung five old pieces of fish-line,
or four and a wire leader
with the swivel still attached,
with all their five big hooks
grown firmly in his mouth.
A green line, frayed at the end
where he broke it, two heavier lines,
and a fine black thread
still crimped from the strain and snap
when it broke and he got away.
Like medals with their ribbons
frayed and wavering,
a five-haired beard of wisdom
trailing from his aching jaw.
I stared and stared
and victory filled up
the little rented boat,
from the pool of bilge
where oil had spread a rainbow
around the rusted engine
to the bailer rusted orange,
the sun-cracked thwarts,
the oarlocks on their strings,
the gunnels – until everything
was rainbow, rainbow, rainbow!
And I let the fish go.

Pesca de Badejo
(Kevin Breyfogle: pintor norte-americano)

O Peixe

Peguei um tremendo peixe
e o segurei junto ao barco,
metade den’d’água, o anzol
fincado no canto da boca.
Ele não se debateu.
Nem tentou se safar.
Pesado de doer a mão,
arranhado, venerando,
e feio. A pele pendia em tiras
pardacentas, feito papel
de parede descascando,
com um padrão mais escuro
igual a papel de parede:
formas de rosas abertas
manchadas, difusas com a idade.
Estava coberto de cracas,
finas rosetas calcárias,
e infestado
de pontos brancos de parasitas,
e andrajos de algas verdes
grudavam-se no seu ventre.
Suas guelras respiravam
o terrível oxigênio
– as guelras assustadoras,
túmidas de sangue vivo,
capazes de cortar a fundo –
 e pensei na carne branca,
que se abria como penas,
espinhas grossas e finas,
tons vivos, preto e vermelho,
das vísceras reluzentes,
e a bexiga natatória,
como uma peônia rosa.
Olhei-o nos olhos,
muito maiores que os meus,
mas mais rasos, amarelos,
com um fundo de papel
de alumínio manchado,
visto através de velhas
lentes de mica arranhadas.
Mexeram-se um pouco, mas não
para retribuir meu olhar.
– Era como um objeto
que se inclina para a luz.
Admirei o rosto grave,
o mecanismo da mandíbula,
e então percebi, pendurados
do lábio inferior
– se “lábio” é mesmo a palavra –
úmido, ameaçador,
cinco velhas linhas de pescar,
ou quatro e um guia de arame
ainda com o girador,
e cinco anzóis grandes
cravados fundo na boca.
Uma linha verde, esgarçada
onde partiu, duas mais grossas
e um fino fio preto, torcido
pela tensão antes do instante
em que ele o quebrou e escapou.
Como medalhas com fitas
desfiadas, tremulantes,
barba austera, só cinco fios,
naquele queixo sofrido.
Eu olhava, eu olhava,
e a vitória ia enchendo
o barquinho alugado,
desde a poça d’água no fundo
com seu arco-íris de óleo
contornando o motor ferrugento,
e o balde rubro de ferrugem,
os bancos rachados de sol,
as forquetas dos remos,
as bordaduras – tudo era
arco-íris, de fora a fora!
E deixei o peixe ir embora.

Referência:

BISHOP, Elizabeth. The fish / O peixe. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 140, 142 e 144; em português: 141, 143 e 145.

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