Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Wilson Alvarenga Borges - Poética (III)

A linha de associação do poeta e de sua poesia ao momento mesmo da criação divina, de sua beleza e fugacidade, e, paradoxalmente, de sua eternidade pelo movimento cíclico, prossegue neste poema do vate mineiro (1922-?): uma flor, um rio, o vento, um pássaro – tudo é fábula como um sonho, mas, incontestavelmente, a mais palpável realidade.

De resto, o ato criador configura-se como uma revelação, um instante epifânico, que tanto mais fascinante se torna quanto mais impõe relevância no ser, em detrimento, talvez, da linguagem, muito embora a poesia mova-se num campo de interação do pensamento e do sentimento com essa mesma linguagem, não podendo, por conseguinte, dela ser inteiramente dissociada.

J.A.R. – H.C.

O Pintassilgo
(Carel Fabritius: pintor holandês)

Poética (III)

De resto era caminhar
como um homem,
quando Deus falasse.
De resto
era estar no mundo
como um rio, uma flor –
era estar no mundo
como um pássaro.
De resto
era saber de estréias
como se sabe
da direção dos ventos;
de resto
era não saber de nada.
De resto
era estar presente
e caminhar com febres,
os lírios e os cânticos:
que tudo anima, embala
o poder de contenção,
a fábula:
nela, gravamos
nossas palavras
nosso medo e nosso silêncio,
nossas descobertas:
de resto
somos a própria fábula.
De resto
(quando Deus falasse)
era sermos persuasivos,
afortunados seres
em trânsito: a revelação
intuitiva, o amor arraigado
e solidário.

De resto, era estar vivo.

Em: “Revelação do Homem” (1963)

Lírios d’água
(Claude Monet: pintor francês)

Referência:

BORGES, Wilson Alvarenga. Poética (III). In: AYALA, Walmir (Seleção e Apresentação). A novíssima poesia brasileira. V. II. Rio de Janeiro, GB: Cadernos Brasileiros, 1965. p. 124-125.

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