O amor, oh, o amor: esse sentimento que vezes sem conta já foi mote para
a elaboração de poemas, que ora tentam dizer no que consiste, ora no que não
consiste. Pela pena de Shakespeare, o amor não se altera se as circunstâncias
em torno dele mudarem, ou, pela via da representação metafórica, equivale ele a
uma estrela-guia para os navegantes, que, assim, se tornam insuscetíveis a
tempestades.
Trata-se, como se pode ratificar, do amor nas regiões inebriantes do
romantismo: nunca muda, jamais desvanece, não incorre em falhas, sobrevive à
morte. E se assim não for, desafia-nos o Bardo no dístico final do soneto –
aqui apresentado em quatro versões ao português –, eivadas de futilidade serão
as suas palavras e nenhum mortal terá jamais experimentado o verdadeiro amor.
Dos mais famosos e
merecidamente cultuados sonetos do Bardo, aparece este na série como afirmação
de afetividade que os anteriores pareciam demonstrar conturbada. Menos
importando a ‘petite histoire’, o
poema vale em si, pelo alcance que tem ao se alçar do contexto de circunstância
(WANDERLEY, 1991, p. 263).
J.A.R. – H.C.
William Shakespeare
(1564-1616)
Pintura atribuída a
John Taylor
CXVI
Let me not to the
marriage of true minds
Admit impediments,
love is not love
Which alters when it
alteration finds,
Or bends with the
remover to remove.
O no, it is an
ever-fixed mark
That looks on tempest
and is never shaken;
It is the star to
every wand’ring bark,
Whose worth’s
unknown, although his height be taken,
Love’s not Time’s
fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending
sickle’s compass come,
Love alters not with
his brief hours and weeks,
But bears it out even
to the edge of doom:
If this be error and
upon me proved,
I never writ, nor no
man ever loved.
O caramanchão de madressilva
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
CXVI
Impedimentos não
admito para a união
De corações fiéis;
amor não é amor
Quando se altera se
percebe alteração
Ou cede em ir-se,
quando é infiel o outro amador.
Oh! não, ele é um
farol imóvel tempo em fora,
Que as tempestades
olha e nem sequer trepida;
É a estrela para as
naus, cujo poder se ignora,
Malgrado seja a sua
altura conhecida.
O amor não é joguete
em mãos do tempo, embora
Face e lábios de rosa
a curva foice abata;
Não muda em dias, não
termina em uma hora,
Porém até o final das
eras se dilata.
Se isso for erro e o
meu engano for provado,
Jamais terei escrito
e alguém terá amado.
(Tradução de Péricles Eugênio da Silva
Ramos)
CXVI
Ao casamento de almas
verdadeiras
Não haja oposição. Não
é amor
O que muda à mudança
mais ligeira
Ou, desertando, cede
ao desertor.
Oh, não, que amor é marca muito firme
E nem a tempestade o
desbarata;
É estrela para a nau,
que o rumo afirme,
Valor ignoto – mas na
altura, exata.
Não é do Tempo mera extravagância,
Amor, embora a foice
roube o riso
À face e ao lábio
rosa; na constância,
Resiste até o Dia do
Juízo.
Se há erro nisto e
assim me for provado,
Nunca escrevi, ninguém
terá amado.
(Tradução de Jorge Wanderley)
CXVI
Nada embaraça a união
de almas amigas, nada.
Amor não é o amor que
se afrouxa, se altera,
Perante alterações da
criatura amada,
Ou se apaga e se
esvai, como simples quimera.
Oh! não, jamais. O
amor é um farol permanente
Que enfrenta os
temporais, fazendo-se invencível;
É para o barco
errante estrela perfulgente
De insondável valor,
mas de altura medível.
Do tempo o Amor não
tem a fúria, ainda que faces
E lábios róseos há
rente à sua foicinha.
Imarcescível, forte
assim, vai, sem trespasses,
Com o ente amado, até
da dor a extrema linha.
Quem de falsos tachar
os versos que ora digo,
Não tem nem goza o
amor do verdadeiro amigo.
(Tradução de Jerónimo de Aquino)
CXVI
Que eu não veja
empecilhos na sincera
União de duas almas.
Não amor
É o que encontrando
alterações se altera
Ou diminui se o
atinge o desamor.
Oh, não! amor é ponto
assaz constante
Que ileso os bravos
temporais defronta.
É a estrela guia do
baixel errante,
De brilho certo, mas
valor sem conta.
O Amor não é jogral
do Tempo, embora
Em seu declínio os lábios
nos entorte.
O Amor não muda com o
dia e a hora,
Mas persevera ao
limiar da Morte.
E, se se prova que
num erro estou,
Nunca fiz versos nem
jamais se amou.
(Tradução de Ivo Barroso)
Referências:
Em Inglês
SHAKESPEARE, William. Sonnet CXVI. In: __________.
Sonetos. Organização e tradução de
Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Hedra, 2008. p.
110.
Em Português
SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: __________. Sonetos. Organização e tradução de
Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Hedra, 2008.
p. 111.
SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI.
Tradução de Jorge Wanderley. In: __________. Sonetos. Tradução e notas de Jorge Wanderley. Edição bilíngue. Rio
de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1991. p. 263. (Coleção ‘Para Sempre:
escritores para todos os tempos’; v. 2)
SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI.
Tradução de Jerónimo de Aquino. In: __________. Sonetos. Tradução de Jerónimo de Aquino. São Paulo, SP: Martin
Claret, 2006. p. 142. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; n. 249).
SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI.
Tradução de Ivo Barroso. In: __________. As
alegres comadres de Windsor; Medida
por medida; O sonho de uma noite de
verão; O mercador de Veneza; A megera domada; Sonetos. Tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros, Oscar
Mendes, Ivo Barroso; notas introdutórias de Oscar Mendes. São Paulo, SP: Abril
Cultural & Victor Civita Editor, 1978. p. 485.
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