Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 11 de julho de 2019

William Shakespeare - Soneto CXVI

O amor, oh, o amor: esse sentimento que vezes sem conta já foi mote para a elaboração de poemas, que ora tentam dizer no que consiste, ora no que não consiste. Pela pena de Shakespeare, o amor não se altera se as circunstâncias em torno dele mudarem, ou, pela via da representação metafórica, equivale ele a uma estrela-guia para os navegantes, que, assim, se tornam insuscetíveis a tempestades.

Trata-se, como se pode ratificar, do amor nas regiões inebriantes do romantismo: nunca muda, jamais desvanece, não incorre em falhas, sobrevive à morte. E se assim não for, desafia-nos o Bardo no dístico final do soneto – aqui apresentado em quatro versões ao português –, eivadas de futilidade serão as suas palavras e nenhum mortal terá jamais experimentado o verdadeiro amor.

Dos mais famosos e merecidamente cultuados sonetos do Bardo, aparece este na série como afirmação de afetividade que os anteriores pareciam demonstrar conturbada. Menos importando a ‘petite histoire’, o poema vale em si, pelo alcance que tem ao se alçar do contexto de circunstância (WANDERLEY, 1991, p. 263).

J.A.R. – H.C.

William Shakespeare
(1564-1616)
Pintura atribuída a John Taylor

CXVI

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments, love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove.
O no, it is an ever-fixed mark
That looks on tempest and is never shaken;
It is the star to every wand’ring bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken,
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come,
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom:
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.

O caramanchão de madressilva
(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

CXVI

Impedimentos não admito para a união
De corações fiéis; amor não é amor
Quando se altera se percebe alteração
Ou cede em ir-se, quando é infiel o outro amador.
Oh! não, ele é um farol imóvel tempo em fora,
Que as tempestades olha e nem sequer trepida;
É a estrela para as naus, cujo poder se ignora,
Malgrado seja a sua altura conhecida.
O amor não é joguete em mãos do tempo, embora
Face e lábios de rosa a curva foice abata;
Não muda em dias, não termina em uma hora,
Porém até o final das eras se dilata.
Se isso for erro e o meu engano for provado,
Jamais terei escrito e alguém terá amado.

(Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)

CXVI

Ao casamento de almas verdadeiras
Não haja oposição. Não é amor
O que muda à mudança mais ligeira
Ou, desertando, cede ao desertor.
Oh, não, que amor é marca muito firme
E nem a tempestade o desbarata;
É estrela para a nau, que o rumo afirme,
Valor ignoto – mas na altura, exata.
Não é do Tempo mera extravagância,
Amor, embora a foice roube o riso
À face e ao lábio rosa; na constância,
Resiste até o Dia do Juízo.
Se há erro nisto e assim me for provado,
Nunca escrevi, ninguém terá amado.

(Tradução de Jorge Wanderley)

CXVI

Nada embaraça a união de almas amigas, nada.
Amor não é o amor que se afrouxa, se altera,
Perante alterações da criatura amada,
Ou se apaga e se esvai, como simples quimera.
Oh! não, jamais. O amor é um farol permanente
Que enfrenta os temporais, fazendo-se invencível;
É para o barco errante estrela perfulgente
De insondável valor, mas de altura medível.
Do tempo o Amor não tem a fúria, ainda que faces
E lábios róseos há rente à sua foicinha.
Imarcescível, forte assim, vai, sem trespasses,
Com o ente amado, até da dor a extrema linha.
Quem de falsos tachar os versos que ora digo,
Não tem nem goza o amor do verdadeiro amigo.

(Tradução de Jerónimo de Aquino)

CXVI

Que eu não veja empecilhos na sincera
União de duas almas. Não amor
É o que encontrando alterações se altera
Ou diminui se o atinge o desamor.
Oh, não! amor é ponto assaz constante
Que ileso os bravos temporais defronta.
É a estrela guia do baixel errante,
De brilho certo, mas valor sem conta.
O Amor não é jogral do Tempo, embora
Em seu declínio os lábios nos entorte.
O Amor não muda com o dia e a hora,
Mas persevera ao limiar da Morte.
E, se se prova que num erro estou,
Nunca fiz versos nem jamais se amou.

(Tradução de Ivo Barroso)

Referências:

Em Inglês

SHAKESPEARE, William. Sonnet CXVI. In: __________. Sonetos. Organização e tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Hedra, 2008. p. 110.

Em Português

SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: __________. Sonetos. Organização e tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Hedra, 2008. p. 111.

SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI. Tradução de Jorge Wanderley. In: __________. Sonetos. Tradução e notas de Jorge Wanderley. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1991. p. 263. (Coleção ‘Para Sempre: escritores para todos os tempos’; v. 2)

SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI. Tradução de Jerónimo de Aquino. In: __________. Sonetos. Tradução de Jerónimo de Aquino. São Paulo, SP: Martin Claret, 2006. p. 142. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; n. 249).

SHAKESPEARE, William. Soneto CXVI. Tradução de Ivo Barroso. In: __________. As alegres comadres de Windsor; Medida por medida; O sonho de uma noite de verão; O mercador de Veneza; A megera domada; Sonetos. Tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros, Oscar Mendes, Ivo Barroso; notas introdutórias de Oscar Mendes. São Paulo, SP: Abril Cultural & Victor Civita Editor, 1978. p. 485.

Nenhum comentário:

Postar um comentário