Lembranças da infância de um certo ente lírico com o coração ainda
fresco, a contemplar da janela um espectro de “tristeza e desperdícios”
fomentado pela chuva correndo lá fora, com os guris esfarrapados a lançarem, no
meio fio, barquinhos de papel que vão, mais à frente, ser tragados pelo
turbilhão que imerge nos bueiros da cidade.
Tal é a massa de eventos e sentimentos que se debatem no espírito do
poeta: o tempo climático tem o poder de incitar vicissitudes no estado mental
das almas mais sensitivas, fazendo-as pairar num enleio que as coloca a milhas
de distância de onde se encontram os seus corpos físicos – como aparenta ser o
caso retratado nos versos do poema.
J.A.R. – H.C.
Pablo Rojas Guardia
(1909-1978)
Vidrio de aumento
La ciudad con las
alas plegadas bajo la lluvia.
El día se lleva
desperdicios y tristezas.
Harapientos lanzan
barcos
al borde de lo
maravilloso
en la acera de lo
cotidiano
hacia puertos de
alcantarillas.
El ajetreo ciudadano
detenido en los portales;
bostezan la humedad
de los patios
acogedores como
buenos amigos.
Rumbos en suspenso.
Los suspiros caen
entre la lluvia.
En la ventana hay
recuerdos de infancia.
El agua doblega la
angustia de los destinos.
Los luceros con la
voz apagada.
En la noche hay un
pájaro dormido.
Detrás de la lluvia
un corazón lleno de frescura.
En: “Trópico Lacerado” (1945)
Esboço para “Composição IV”
(Wassily Kandisky:
pintor russo)
Lupa de aumento
A cidade com as asas dobradas
sob a chuva.
O dia induz
desperdícios e tristezas.
Esfarrapados lançam
barcos
à borda do
maravilhoso
no meio-fio do
cotidiano
até o portos de
bueiros.
O bulício citadino detido
nos portais,
a bocejarem a umidade
dos pátios
acolhedores como bons
amigos.
Rumos em suspenso.
Os suspiros caem no
meio da chuva.
Na janela há
lembranças de infância.
A água submete a
angústia dos destinos.
As estrelas com a voz
apagada.
Na noite há um
pássaro adormecido.
Por trás da chuva um
coração cheio de frescura.
Em: “Trópico Lacerado” (1945)
Referência:
GUARDIA, Pablo Rojas. Vidrio de
aumento. In: __________. Poesías.
Caracas, VE: Ediciones del Ministerio de Educación; Dirección de Cultura y
Bellas Artes; Departamento de Publicaciones, 1962. p. 119. (‘Biblioteca Popular
Venezolana’; n. 84)
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