Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Luiz Martins Rodrigues Filho - Natureza-Morta com Moscas

Sendo uma natureza-morta já se tem um quadro, de certa forma, excêntrico – ou seria melhor dizer não dinâmico? Mas envolto por moscas, não seria tanto assim estático, pois, ao revoar sobre as coisas que já não têm vida, os insetos nos fazem recordar da natureza orgânica da matéria, sumarizada na Lei de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

Parte da natureza-morta do poeta não é matéria propriamente dita, senão rastros memoriais associados a um papel rasgado sobre a mesa, vale dizer, “amores, ilusões, crimes e um beijo perplexo”, em síntese, “a vida embrulhada em tipos, trapos e tripas”. Se houve crime, lá está a faca, mas sem gume, distante das aspirações de uma vermelha maçã por dentes que a fustiguem...

J.A.R. – H.C.

Luiz Martins Rodrigues Filho
(1923-2001)

Natureza-Morta com Moscas

A faca sem gume
em cima da mesa.
A maçã vermelha
aspira a dentes
que marquem sua carne
envernizada e neutra.
A faca sem gume
em cima da mesa.
Moscas revoam compõem
a sua melodia
minúscula de moscas.
O papel rasgado
que mal forra a mesa
traz amores ilusões
crimes e um beijo perplexo.
Traz toda a vida
embrulhada em tipos
embrulhada em trapos
embrulhada em tripas.
Mas serve agora
mal e mal para
forrar a mesa
onde se exilam a faca sem gume
a inútil maçã vermelha
e as moscas
com sua pobre
melodia de moscas.

1964

Natureza-morta com moscas aludindo à
“Natureza-morta com frutas e flores” de Isaak Soreau
(Alan Salisbury: artista inglês)

Referência:

RODRIGUES FILHO, Luiz Martins. Natureza-morta com moscas. In: __________. Suor do tempo: 1946-1979. São Paulo, SP: Canton, [1979?]. p. 55.

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