Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de julho de 2019

André Carneiro - lei do corpo nu

Um poema algo insólito, talvez dando vazão a desejos ocultos do poeta ou, quem sabe – ante os óbices impostos pelo censor público –, que lhe tenha vindo em sonhos, de forma a fazer fluir em sua mente inerte toda a massa represada de pensamentos, sentimentos, intuições, libido, os quais, de outra forma, sob vigília, foram atirados ao imenso mar do inconsciente – cujas águas vez por outra os anjos da noite teimam em turbilhonar.

O interesse pela nudez e o pendor pela expressão mais aberta dos conteúdos eróticos fizeram-me recordar algumas passagens da obra “Breve Romance de Sonho”, do escritor e médico austríaco Arthur Schnitzler (1862-1931), adaptado livremente ao cinema pelo diretor Stanley Kubrick, em sua película “De Olhos Bem Fechados” (1999), com a dupla de atores Nicole Kidman e Tom Cruise.

J.A.R. – H.C.

André Carneiro
(1922-2014)

lei do corpo nu

Decretou-se a nudez absoluta.
Ternos, gravatas,
coletes, porta-seios,
ligas, meias e enchimentos
foram queimados
na praça principal.

Soldados nus,
metralhadoras em punho,
revistaram casa por casa.
Poupados os doentes
e recém-nascidos,
homens, senhoras e meninas
desfilaram pelas ruas
carregando flores e bandeiras.

Mulheres choravam
de seios caídos.
Homens assustados
contemplavam o sexo
descoberto, simples, humilde
pálido condenado
circulando livre
após milênios
escondido.

Pegos em flagrante
com faixas, folhas
de parreira, alguns
foram fuzilados.

Corpos em liberdade
bronzearam ao sol,
namorados de mãos dadas
passeavam cantando.

Amantes requintados
se encontravam em
apartamentos.
À beira do leito
lentamente, se vestiam,
meias, calças, cintas,
paletós, abrigos,
portas fechadas,
se abraçavam,
corações batendo.

Rondavam pelas ruas
soldados pelados
da polícia de costumes.

Figura Nua
(Pablo Picasso: pintor espanhol)

Referência:

CARNEIRO, André. lei do corpo nu. In: CARNEIRO, André et al. a poesia pede passagem. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1972. p. 6-7. (‘Coleção do Poeta’; v. 3)

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