Com versos a torcer os sentidos, em razão dos vocábulos de teor
antitético, o poeta argentino expressa a sua aposta pela morte, como se aquilo
por que aspira houvesse se transformado no seu exato oposto: a saúde na doença,
a ventura na infelicidade, a inocência na malícia, a pureza na impureza, o amor
no ódio, a esperança no ceticismo.
Decerto são sentimentos, desprazeres, convicções, ânimos e estados
físicos que se podem observar numa sociedade doente como a contemporânea,
atingindo aqueles que não logram seguir os seus valores, quase sempre de ordem
material, supervalorizando o “ter” em detrimento do “ser”, erigindo barreiras
que se multiplicam em razão da injustiça social a alastrar-se: “o mal ronda a
terra”, como diria o grande historiador Tony Judt.
J.A.R. – H.C.
Juan Gelman
(1930-2014)
El juego en que andamos
Si me dieran a
eligir, yo eligiría
esta salud de saber
que estamos muy enfermos,
esta dicha de andar
tan infelices.
Se me dieran a
eligir, yo eligiría
esta inocencia de no
ser un inocente,
esta pureza en que
ando por impuro.
Si me dieran a
eligir, yo eligiría
este amor con que
odio,
esta esperanza que
come panes desesperados.
Aquí pasa, señores,
que me juego la
muerte.
Melancolia I
(Albrecht Dürer:
pintor alemão)
O jogo que jogamos
Se me dessem para
escolher, eu escolheria
esta saúde de saber
que estamos multo enfermos,
esta dita de andar
tão infelizes.
Se me dessem para
escolher, eu escolheria
esta inocência de não
ser um inocente,
esta pureza em que
ando por ser impuro.
Se me dessem para
escolher, eu escolheria
este amor com o qual
odeio,
esta esperança que
come pães desesperados.
Acontece, senhores,
que aqui
aposto a minha morte.
Referência:
GELMAN, Juan. El juego en que andamos /
O jogo que jogamos. Tradução de Eric Nepomuceno. In: __________. Amor que serena termina? Seleção e
tradução de Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. Em espanhol: p.
36; em português: p. 37.
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