Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Juan Gelman - O jogo que jogamos

Com versos a torcer os sentidos, em razão dos vocábulos de teor antitético, o poeta argentino expressa a sua aposta pela morte, como se aquilo por que aspira houvesse se transformado no seu exato oposto: a saúde na doença, a ventura na infelicidade, a inocência na malícia, a pureza na impureza, o amor no ódio, a esperança no ceticismo.

Decerto são sentimentos, desprazeres, convicções, ânimos e estados físicos que se podem observar numa sociedade doente como a contemporânea, atingindo aqueles que não logram seguir os seus valores, quase sempre de ordem material, supervalorizando o “ter” em detrimento do “ser”, erigindo barreiras que se multiplicam em razão da injustiça social a alastrar-se: “o mal ronda a terra”, como diria o grande historiador Tony Judt.

J.A.R. – H.C.

Juan Gelman
(1930-2014)

El juego en que andamos

Si me dieran a eligir, yo eligiría
esta salud de saber que estamos muy enfermos,
esta dicha de andar tan infelices.

Se me dieran a eligir, yo eligiría
esta inocencia de no ser un inocente,
esta pureza en que ando por impuro.

Si me dieran a eligir, yo eligiría
este amor con que odio,
esta esperanza que come panes desesperados.

Aquí pasa, señores,
que me juego la muerte.

Melancolia I
(Albrecht Dürer: pintor alemão)

O jogo que jogamos

Se me dessem para escolher, eu escolheria
esta saúde de saber que estamos multo enfermos,
esta dita de andar tão infelizes.

Se me dessem para escolher, eu escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que ando por ser impuro.

Se me dessem para escolher, eu escolheria
este amor com o qual odeio,
esta esperança que come pães desesperados.

Acontece, senhores, que aqui
aposto a minha morte.

Referência:

GELMAN, Juan. El juego en que andamos / O jogo que jogamos. Tradução de Eric Nepomuceno. In: __________. Amor que serena termina? Seleção e tradução de Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. Em espanhol: p. 36; em português: p. 37.

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