Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ernesto Cardenal - Oração para Marilyn Monroe

Com vocativos repetidos dirigidos ao Senhor – afinal, Cardenal é um sacerdote –, este poema foi escrito logo após a morte da famosa atriz norte-americana, mesclando quer circunstâncias atinentes ao seu óbito, quer, e sobretudo, contratempos e inconvenientes atrelados a questões de ordem social, capazes de desbordar no aparecimento de figuras que, como Monroe, saem vertiginosamente do anonimato à fama.

Como oração, e, portanto, ligado a um contexto religioso, a forma pela qual o texto de Cardenal dirige-se ao Eterno diz respeito a um ente lírico que nos parece plural, haja vista que, em diversas passagens do poema, o poeta emprega a conjugação verbal apropriada ao pronome “nós”, levando o leitor a compartilhar ações que, de fato, são adotadas por terceiros – e ações que deploram a concretização de um sonho feito realidade de modo pouco sustentável...

J.A.R. – H.C.

Ernesto Cardenal
(n. 1925)

Oración por Marilyn Monroe

Señor:
recibe a esta muchacha conocida en toda la Tierra
con el nombre de Marilyn Monroe,
aunque éste no era su verdadero nombre
(pero Tú conoces su verdadero nombre, el de la huerfanita
violada a los nueve años
y la empleada de tienda que a los dieciséis se había
querido matar)
y que ahora se presenta ante Ti sin ningún
maquillaje,
sin su agente do prensa,
sin fotógrafos y sin firmar autógrafos,
sola como un astronauta frente a la noche espacial.
Ella soñó cuando niña que estaba desnuda
en una iglesia
(según cuenta el Time)
ante una multitud postrada, con las cabezas
en el suelo,
y tenía que caminar en puntillas para no pisar
las cabezas.
Tú conoces nuestros sueños mejor que los psiquíatras.
Iglesia, casa, cueva, son la seguridad del seno materno,
pero también algo más que eso...
Las cabezas son los admiradores, es claro
(la masa de cabezas en la oscuridad bajo
el chorro de luz).
Pero el templo no son los estudios de la 20th
Century-Fox.
El templo – de mármol y oro – es el templo de su cuerpo,
en el que está el Hijo del Hombre con su látigo
en la mano
expulsando a los mercaderes de la 20th Century-Fox
que hicieron de tu casa de oración
una cueva de ladrones.
Señor:
en este mundo contaminado de pecados y radiactividad,
Tú no culparás tan sólo a una empleadita de tienda
que como toda empleadita de tienda
soñó con ser estrella de cine.
Y su sueño fue realidad (pero como la realidad
del technicolor).
Ella no hizo sino actuar según el script que le dimos
– el de nuestras propias vidas – y era un script absurdo.
Perdónala, Señor, y perdónanos a nosotros
por nuestra 20th Century,
por esa Colosal Super-Producción en la que todos
hemos trabajado.
Ella tenía hambre de amor y le ofrecíamos
tranquilizantes
para la tristeza de no ser santos
(se la recomendó el Psicoanálisis).
Recuerda, Señor, su creciente pavor a la cámara
y el odio al maquillaje – insistiendo
en maquillarse en cada escena –,
y cómo se fue haciendo mayor el horror
y mayor la impuntualidad a los estudios.
Como toda empleadita de tienda
soñó ser estrella de cine.
Y su vida fue irreal como un sueño que un
psiquíatra interpreta y archiva.
Sus romances fueron un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren los ojos
se descubre que fue bajo reflectores
¡y apagaron los reflectores!
y desmontaron las dos paredes del aposento (era
un set cinematográfico),
mientras el director se aleja con su libreta
porque la escena ya fue tomada.
O como un viaje en yate, un beso en Singapur,
un baile en Río,
la recepción en la mansión del duque y la duquesa
de Windsor
vistos en la salita del apartamento miserable.
La película terminó sin beso final.
La hallaron muerta en su cama con la mano
en el teléfono.
Y los detectives no supieron a quién iba a llamar.
Fue
como o alguien que ha marcado el número de la
única voz amiga
y oye tan sólo la voz de un disco que le dice:
wrong number.
O como alguien que herido por los gangsters
alarga la mano a un teléfono desconectado.
Señor:
quienquiera que haya sido el que ella iba a llamar
y no llamó (y tal vez no era nadie
o era Alguien cuyo número no está en el
Directorio de Los Angeles),
¡contesta Tú el teléfono!

Marilyn Monroe
(1926-1962)

Oração para Marilyn Monroe

Senhor:
recebe a esta garota conhecida em toda a Terra
pelo nome de Marilyn Monroe,
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã
violada aos nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido
se matar)
e que agora vem à tua presença sem nenhuma
maquilagem
sem a sua agente de imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos,
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.
Ela sonhou quando menina que estava nua
numa igreja
(segundo a versão da Time)
diante duma multidão prostrada, com a cabeça
ao chão,
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar
as cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno,
e muito mais do que isso ainda...
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo
dos focos de luz)
Mas o templo não são os estúdios da 20th
Century-Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo,
em que está o Filho do Homem com um chicote
na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram da Tua casa de oração
um covil de ladrões.
Senhor:
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade,
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
que como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade
do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
– o de nossas próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a, Senhor, e perdoa-nos
pela nossa 20th Century,
por esta Colossal Superprodução em que todos
trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos
tranquilizantes,
para a tristeza de não ser santos
(foi-lhe recomendada a Psicanálise).
Lembra-te, Senhor, de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem – insistindo
em maquilar-se em cada cena –,
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.
Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um
psiquiatra interpreta e arquiva.
Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos
descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagaram os refletores!
e desmontaram as duas paredes da alcova (era
um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno
porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em
Cingapura, um baile no Rio,
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa
de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.
O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão
no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da
única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que lhe diz:
wrong number.
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.
Senhor:
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no
Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!

Referências:

Em Espanhol

CARDENAL, Ernesto. Oración por Marilyn Monroe. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesías de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española y hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 741-743. (Colección “Tesoro Literario”; n. 26)

Em Português

CARDENAL, Ernesto. Oração para Marilyn Monroe. Tradução de Paulo de Carvalho Neto. As riquezas injustas: antologia poética. Seleção e tradução de Paulo de Carvalho Neto. 2. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1982. p. 52-54.

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