Com vocativos repetidos dirigidos ao Senhor – afinal, Cardenal é um
sacerdote –, este poema foi escrito logo após a morte da famosa atriz
norte-americana, mesclando quer circunstâncias atinentes ao seu óbito, quer, e
sobretudo, contratempos e inconvenientes atrelados a questões de ordem social,
capazes de desbordar no aparecimento de figuras que, como Monroe, saem vertiginosamente
do anonimato à fama.
Como oração, e, portanto, ligado a um contexto religioso, a forma pela qual o
texto de Cardenal dirige-se ao Eterno diz respeito a um ente lírico que nos
parece plural, haja vista que, em diversas passagens do poema, o poeta emprega a conjugação verbal apropriada ao pronome “nós”, levando o leitor a compartilhar
ações que, de fato, são adotadas por terceiros – e ações que deploram a
concretização de um sonho feito realidade de modo pouco sustentável...
J.A.R. – H.C.
Ernesto Cardenal
(n. 1925)
Oración por Marilyn Monroe
Señor:
recibe a esta
muchacha conocida en toda la Tierra
con el nombre de
Marilyn Monroe,
aunque éste no era su
verdadero nombre
(pero Tú conoces su
verdadero nombre, el de la huerfanita
violada a los nueve
años
y la empleada de
tienda que a los dieciséis se había
querido matar)
y que ahora se presenta
ante Ti sin ningún
maquillaje,
sin su agente do
prensa,
sin fotógrafos y sin
firmar autógrafos,
sola como un
astronauta frente a la noche espacial.
Ella soñó cuando niña
que estaba desnuda
en una iglesia
(según cuenta el Time)
ante una multitud postrada,
con las cabezas
en el suelo,
y tenía que caminar
en puntillas para no pisar
las cabezas.
Tú conoces nuestros
sueños mejor que los psiquíatras.
Iglesia, casa, cueva,
son la seguridad del seno materno,
pero también algo más
que eso...
Las cabezas son los
admiradores, es claro
(la masa de cabezas
en la oscuridad bajo
el chorro de luz).
Pero el templo no son
los estudios de la 20th
Century-Fox.
El templo – de mármol
y oro – es el templo de su cuerpo,
en el que está el
Hijo del Hombre con su látigo
en la mano
expulsando a los
mercaderes de la 20th Century-Fox
que hicieron de tu
casa de oración
una cueva de
ladrones.
Señor:
en este mundo
contaminado de pecados y radiactividad,
Tú no culparás tan
sólo a una empleadita de tienda
que como toda
empleadita de tienda
soñó con ser estrella
de cine.
Y su sueño fue
realidad (pero como la realidad
del technicolor).
Ella no hizo sino
actuar según el script que le dimos
– el de nuestras
propias vidas – y era un script absurdo.
Perdónala, Señor, y
perdónanos a nosotros
por nuestra 20th
Century,
por esa Colosal
Super-Producción en la que todos
hemos trabajado.
Ella tenía hambre de
amor y le ofrecíamos
tranquilizantes
para la tristeza de
no ser santos
(se la recomendó el
Psicoanálisis).
Recuerda, Señor, su
creciente pavor a la cámara
y el odio al
maquillaje – insistiendo
en maquillarse en
cada escena –,
y cómo se fue
haciendo mayor el horror
y mayor la
impuntualidad a los estudios.
Como toda empleadita
de tienda
soñó ser estrella de
cine.
Y su vida fue irreal
como un sueño que un
psiquíatra interpreta
y archiva.
Sus romances fueron
un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren
los ojos
se descubre que fue
bajo reflectores
¡y apagaron los reflectores!
y desmontaron las dos
paredes del aposento (era
un set cinematográfico),
mientras el director
se aleja con su libreta
porque la escena ya
fue tomada.
O como un viaje en
yate, un beso en Singapur,
un baile en Río,
la recepción en la
mansión del duque y la duquesa
de Windsor
vistos en la salita
del apartamento miserable.
La película terminó
sin beso final.
La hallaron muerta en
su cama con la mano
en el teléfono.
Y los detectives no
supieron a quién iba a llamar.
Fue
como o alguien que ha
marcado el número de la
única voz amiga
y oye tan sólo la voz
de un disco que le dice:
wrong number.
O como alguien que
herido por los gangsters
alarga la mano a un
teléfono desconectado.
Señor:
quienquiera que haya
sido el que ella iba a llamar
y no llamó (y tal vez
no era nadie
o era Alguien cuyo
número no está en el
Directorio de Los
Angeles),
¡contesta Tú el
teléfono!
Marilyn Monroe
(1926-1962)
Oração para Marilyn Monroe
Senhor:
recebe a esta garota
conhecida em toda a Terra
pelo nome de Marilyn
Monroe,
embora este não fosse
o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o
seu verdadeiro nome, o da órfã
violada aos nove anos
e da empregadinha de
loja que aos dezesseis tinha querido
se matar)
e que agora vem à tua
presença sem nenhuma
maquilagem
sem a sua agente de imprensa
sem fotógrafos e sem
assinar autógrafos,
tão sozinha como um
astronauta diante da noite espacial.
Ela sonhou quando
menina que estava nua
numa igreja
(segundo a versão da Time)
diante duma multidão
prostrada, com a cabeça
ao chão,
e tinha de caminhar
devagarinho para não pisar
as cabeças.
Tu conheces os nossos
sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova
são a segurança do seio materno,
e muito mais do que
isso ainda...
As cabeças são os
admiradores, é claro
(a massa de cabeças
na escuridão por debaixo
dos focos de luz)
Mas o templo não são
os estúdios da 20th
Century-Fox.
O templo – de mármore
e ouro – é o templo de seu corpo,
em que está o Filho
do Homem com um chicote
na mão
expulsando os
mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram da Tua
casa de oração
um covil de ladrões.
Senhor:
neste mundo
contaminado de pecados e radioatividade,
Tu não culparás
somente a uma empregadinha de loja
que como toda
empregadinha de loja
sonhou ser estrela de
cinema.
E seu sonho foi
realidade (mas como a realidade
do tecnicolor).
Ela não fez senão
representar segundo o script que lhe
demos
– o de nossas
próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a, Senhor, e
perdoa-nos
pela nossa 20th
Century,
por esta Colossal
Superprodução em que todos
trabalhamos.
Ela tinha fome de
amor e lhe oferecemos
tranquilizantes,
para a tristeza de
não ser santos
(foi-lhe recomendada
a Psicanálise).
Lembra-te, Senhor, de
seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à
maquilagem – insistindo
em maquilar-se em cada
cena –,
e como foi se fazendo
maior o horror
e maior o
incumprimento dos horários.
Como toda
empregadinha de loja
sonhou ser estrela de
cinema.
E sua vida foi irreal
como um sonho que um
psiquiatra interpreta
e arquiva.
Os seus romances
foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir
dos olhos
descobre-se que foi
dado sob os refletores
e apagaram os
refletores!
e desmontaram as duas
paredes da alcova (era
um cenário cinematográfico)
enquanto que o
diretor vai embora com seu caderno
porque a cena já foi
filmada.
O mesmo é com uma
viagem em iate, um beijo em
Cingapura, um baile
no Rio,
ou uma recepção no
palacete do Duque e da Duquesa
de Windsor
vistos na TV de um
apartamento pobre.
O filme terminou sem
o beijo final.
Foi achada morta em
sua cama com a mão
no telefone.
E os detetives
ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que
marcou o número da
única voz amiga
e ouve somente a voz
de uma fita que lhe diz:
wrong number.
Ou como alguém que
ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre
um telefone desligado.
Senhor:
quem quer que tenha
sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e
talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo
número não está no
Catálogo de Los
Angeles)
atende Tu ao
telefone!
Referências:
Em Espanhol
CARDENAL, Ernesto. Oración por Marilyn
Monroe. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil
mejores poesías de la lengua castellana: ocho siglos de poesía española y
hispanoamericana. 31. ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 741-743. (Colección
“Tesoro Literario”; n. 26)
Em Português
CARDENAL, Ernesto. Oração para Marilyn
Monroe. Tradução de Paulo de Carvalho Neto. As riquezas injustas: antologia poética. Seleção e tradução de
Paulo de Carvalho Neto. 2. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1982. p. 52-54.
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