Nada é transparente e estável no poeta, nem mesmo – ou melhor – e tanto
mais a poesia que concebe, mercê de um ‘insight’ que pode, agora, apontar para
o oriente, mas, pouco depois, em sentido diverso: ele é o surto da
imprevisibilidade, irredutível a qualquer modelo determinístico que queira
abarcar o contingente que abraça.
O que sobraria aos biógrafos e aos estudiosos que desejem se aprofundar
em sua obra, se o próprio autor roga que não lhe expliquem “pelas palavras,
pelo bigode nem pelo cachimbo”, não sendo a clareza um atributo que lhe faça
justiça? Perdurará, seguramente, pelo vasto domínio da incerteza, como um
elétron do qual jamais se saberá onde exatamente se encontra!
J.A.R. – H.C.
Fernando Ferreira de Loanda
(1924-2002)
Poema para estudiosos e biógrafos
Não me expliquem:
prisma, de mil faces,
sou insondável,
abissal.
A poesia não é um
espelho;
é um estado
momentâneo.
Se me retrato, logo
me desdigo,
transfiguro-me,
horizontalizando
minhas emoções e
incertezas.
Amo o imprevisto,
dói-me o que
adivinho;
não me ofereçam
banquetes mastigados.
A clareza não a tenho
à superfície;
é necessário uma faca
para fazê-la flutuar;
vão ao cerne; sou
quarto crescente na lua cheia.
Não me expliquem
pelas palavras,
pelo bigode nem pelo
cachimbo.
Em: “Do amor e do mar” (1964-1966)
Onde o ponto de controle
começa a mover-se
(Liu Feng: pintor
chinês)
Referência:
LOANDA, Fernando Ferreira de. Poema
para estudiosos e biógrafos. In: SEFFRIN, André (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 50.
1. ed. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 103.
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