Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de junho de 2019

Fernando Ferreira de Loanda - Poema para estudiosos e biógrafos

Nada é transparente e estável no poeta, nem mesmo – ou melhor – e tanto mais a poesia que concebe, mercê de um ‘insight’ que pode, agora, apontar para o oriente, mas, pouco depois, em sentido diverso: ele é o surto da imprevisibilidade, irredutível a qualquer modelo determinístico que queira abarcar o contingente que abraça.

O que sobraria aos biógrafos e aos estudiosos que desejem se aprofundar em sua obra, se o próprio autor roga que não lhe expliquem “pelas palavras, pelo bigode nem pelo cachimbo”, não sendo a clareza um atributo que lhe faça justiça? Perdurará, seguramente, pelo vasto domínio da incerteza, como um elétron do qual jamais se saberá onde exatamente se encontra!

J.A.R. – H.C.

Fernando Ferreira de Loanda
(1924-2002)

Poema para estudiosos e biógrafos

Não me expliquem:
prisma, de mil faces,
sou insondável, abissal.

A poesia não é um espelho;
é um estado momentâneo.
Se me retrato, logo me desdigo,
transfiguro-me, horizontalizando
minhas emoções e incertezas.

Amo o imprevisto,
dói-me o que adivinho;
não me ofereçam banquetes mastigados.

A clareza não a tenho à superfície;
é necessário uma faca para fazê-la flutuar;
vão ao cerne; sou quarto crescente na lua cheia.

Não me expliquem pelas palavras,
pelo bigode nem pelo cachimbo.

Em: “Do amor e do mar” (1964-1966)

Onde o ponto de controle
começa a mover-se
(Liu Feng: pintor chinês)

Referência:

LOANDA, Fernando Ferreira de. Poema para estudiosos e biógrafos. In: SEFFRIN, André (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 50. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 103.

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