Primeiramente uma rápida observação: o soneto abaixo tem por autor um
dos irmãos do ex-presidente da República João Figueiredo, nomeadamente,
Guilherme de Oliveira Figueiredo, que, formado em Direito, atuou também como
dramaturgo, tradutor, crítico de teatro e, como se nota, poeta.
Vê-se no soneto certa mirada cética em relação às contingências da vida,
tão marcadas por antinomias que os humanos persistem em acentuar: como se
afirma naquela canção “A novidade”, interpretada pelo grupo “Paralamas do
Sucesso”, em 1986 – “oh mundo tão desigual, de um lado este carnaval, de outro
a fome total”...
J.A.R. – H.C.
Guilherme Figueiredo
(1915-1997)
Uns morrem na batalha, outros morrem de
fome
Uns morrem na batalha,
outros morrem de fome
Outros atrás da
glória, outros de encontro ao muro
Outro rola já podre e
podre o verme o come
Outro tomba no chão
como um fruto maduro
Há quem tenha pavor
de ver que a vida some
Há quem clame por luz
ao ver o nada escuro
Este há que por
Inferno o Paraíso tome
Este crê repousar
após um dia duro
De bravo ou de covarde
ou de sábio ou de ignaro
De esbanjador de si,
do próprio sangue avaro
De beijos, de ser sé,
de amor não respondido
De sede de prazer, de
gula de carinho
De desprezo, de
horror, de fumos e de vinho
E não sabe ninguém
porque terá vivido.
Na seção “Cantigas de Escárnio e de
Maldizer”
Fé, fúria, medo, peixe e destino
(Robert Zurer: pintor
norte-americano)
Referência:
FIGUEIREDO, Guilherme. Uns morrem na
batalha, outros morrem de fome. In: __________. Ração de abandono e outros poemas. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ:
Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978. p. 60.
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