Os versos breves do poema se estendem desde os
contratempos pelos quais quotidianamente passamos na vida atribulada das
cidades – atrasos, esperas, momentos que se esvaem em engarrafamentos, filas e
desgastes capazes de gerar improdutividade –, até aqueles que estão arraigados
em nosso tempo biológico, dessincronizado pelo efeito de emoções somatizadas.
Mais dia menos dia, o corpo e a mente cobram o
preço pelo estresse, o qual, aliás, nem tem o condão de tornar as coisas
melhores – porque, pelo efeito substituição, se a alguma necessidade tem-se que
dar maior atenção e desvelo, outras tantas ficarão pelo meio do caminho ou,
quando muito, serão solucionadas transversalmente – empurradas para debaixo do
tapete! Eis aí um corolário da segunda lei da termodinâmica: a entropia do
universo sempre aumenta!
J.A.R. – H.C.
Nelson Ascher
(n. 1958)
Mais dia menos dia
Coágulos de perda
de tempo, adiamento,
atraso e espera, ou seja,
minúsculas metástases
de caos se interpõem entre
– irrelevante qual
dos dois corre na frente –
a tartaruga e Aquiles
(o débito na conta;
no trânsito, a demora;
um ácido no estômago;
frente ao correio, a fila;
o mofo no tecido;
nos músculos, a inércia;
cupins na biblioteca;
sob o tapete, o lixo;
um óxido no ferro;
nas pálpebras, o sono)
e, como que aderindo,
à guisa de entropia,
ao âmago dos nervos,
embotam mais um pouco
o ritmo do arraigado
relógio biológico.
Em: “Algo de sol” (1996)
Tic Toc Talk Talk
(Jacque Hudson: pintora
norte-americana)
Referência:
ASCHER, Nelson. Mais dia menos dia. In: ASCHER,
Nelson et al. Poetas na biblioteca: antologia. São Paulo, SP:
Fundação Memorial da América Latina, 2001. p. 15.
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