Numa espécie de autobiografia literária, Saba relembra de seu pai, Ugo
Edoardo Poli (‘Saba’ era um pseudônimo), a quem veio a conhecer apenas ao 20
(vinte) anos, ele – um canalha ou delinquente – originário de uma nobre família
veneziana, que abandonou sua esposa, Rachel Cohen, de origem judaica, quando
Umberto ainda não havia nascido.
Ao conhecer o pai, de quem teria herdado não só a semelhança física como
o “dom da poesia” – embora tencionando com ele não se parecer –, o poeta
torna-se consciente de aspectos conflitantes de sua própria personalidade,
compreendendo como a diversidade dos ambientes religiosos e culturais de seus
genitores foi elemento suficiente para, possivelmente, ter ensejado a separação
do casal.
J.A.R. – H.C.
Umberto Saba
(1883-1957)
Mio padre è stato per me “l’assassino”
Mio padre è stato per
me “l’assassino”,
fino ai vent’anni che
l’ho conosciuto.
Allora ho visto
ch’egli era un bambino,
e che il dono ch’io
ho da lui l’ho avuto.
Aveva in volto il mio
sguardo azzurrino,
un sorriso, in
miseria, dolce e astuto.
Andò sempre pel mondo
pellegrino;
più d’una donna l’ha
amato e pasciuto.
Egli era gaio e
leggero; mia madre
Tùtti sentìva della
vìta i pesi.
Di mano ei gli sfuggì
come un pallone.
“Non somigliare –
ammoniva – a tuo padre”.
Ed io più tardi in me
stesso lo intesi:
erano due razze in
antica tenzone.
Pai & Filho
(Lazar Krestin:
pintor de origem judaica)
Meu pai foi para mim “o assassino”
Meu pai foi para mim “o
assassino”,
até os vinte anos,
quando o conheci,
e vi que não passava
de um menino
e o dom que tenho
dele recebi.
Tinha no rosto meu
olhar azulino,
na dor um sorriso
astuto e doce. E
vagou sempre no mundo
peregrino,
amando e dormitando
aqui e ali.
Era alegre e leviano,
pois o peso
da vida só a minha
mãe cabia.
Escapou-lhe das mãos
como um balão.
“Não imites teu pai”,
era o seu desejo.
Mostrou-me a experiência
o que então não via:
eram raças em antiga
tensão.
(Tradução publicada em
“Folhetim” em 15.7.1984)
Referências:
Em Italiano
SABA, Umberto. Mio padre è stato per me
“l’assassino”. Disponível neste
endereço. Acesso em: 27 mai 2019.
Em Português
SABA, Umberto. Meu pai foi para mim “o
assassino”. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson
(Organizadores). Folhetim: poemas
traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 160.
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