Ao se abraçar ao mito de Orfeu, enquanto padrão alienígena imposto às
mulheres, a poetisa parece querer nos dizer que os seus sentimentos resultaram autocensurados:
como mulher, tornara-se incapaz de afirmar a sua “vida dilacerada” – a perda do
amor, um parto inseguro, o resgate de si mesma e de uma criança recém-nascida.
Agora ela preconiza o fim das máscaras, das mitologias, substituindo-as
por outros sentimentos mais saudáveis, como paz, graça e integridade. Tal é o
novo mito, a nova deidade que passará a reger, com a sua música, essa nova
mulher convertida a um novo padrão de viver, reconhecer-se inteira e
manifestar-se pela palavra.
J.A.R. – H.C.
Muriel Rukeyser
(1913-1980)
The Poem as Mask
Orpheus
When I wrote of the
women in their dances and wildness, it was a mask,
on their mountain,
gold-hunting, singing, in orgy,
it was a mask; when I
wrote of the god,
fragmented, exiled
from himself, his life, the love gone down with song,
it was myself, split
open, unable to speak, in exile from myself.
There is no mountain,
there is no god, there is memory
of my torn life,
myself split open in sleep, the rescue child
beside me among the
doctors, and a word
of rescue from the
great eyes.
No more masks! No
more mythologies!
Now, for the first
time, the god lifts his hand,
the fragments join in
me with their own music.
Máscara Veneziana
(Ivan Pili: artista
italiano)
O Poema como Máscara
Orfeu
Quando escrevi sobre
as mulheres em seus rituais dançantes e selvagens,
era uma máscara,
em sua montanha, à
caça de ouro, cantando em orgias,
era uma máscara;
quando escrevi sobre o deus,
fragmentado, exilado
de si, de sua vida, do amor encerrado em canções,
era eu mesma, despedaçada,
incapaz de falar, exilada de mim.
Não há montanha, não
há deus, somente a memória
de minha vida dilacerada,
eu mesma despedaçada em sonhos,
a criança resgatada
ao meu lado, entre os
médicos, e um apelo
por resgate em seus grandes
olhos.
Basta de máscaras!
Basta de mitologias!
Agora, pela primeira
vez, o deus eleva a sua mão,
os fragmentos em mim
se unem com sua própria música.
Referência:
RUKEYSER, Muriel. The poem as mask. In:
DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology
of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p.
163-164.
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