Sob o ponto de vista de Szymborska, são distintas as mortes dos animais
e dos seres humanos, pois, no mais das vezes, o passamento dos humanos se dá
com “forçada precedência”, ou talvez melhor, por tornarmos a morte algo difícil
de ser trespassado, por conhecermos previamente de suas razões naturais e
perturbarmo-nos ante a plena consciência do inarredável fluxo vital.
Mas os animais, não: falecem sem impor “horror à cena”. Vão-se “sem
transmitir tristeza”. De fato, a tristeza fica por conta dos humanos ao vê-los
partir: há muitas pessoas que ficam mais consternadas quando morrem seus
bichinhos de estimação – sobretudo cães e gatos –, do que alguns de seus
parentes mais próximos...
A poesia de Szymborska é fortemente
influenciada pela ciência moderna. Ela assume que é tênue a fronteira entre nós
e o resto da natureza. Por outro lado, ela reconhece que nossos hábitos
empedernidos nos inclinam a olhar os animais e os insetos com um sentimento de
nosso especial privilégio. Daí a ironia em seu poema. (MILOSZ, 1998, p. 41)
J.A.R. – H.C.
Wisława Szymborska
(1923-2012)
Widziane z góry
Na polnej drodze leży martwy żuk.
Trzy pary nóżek złożył na brzuchu starannie.
Zamiast bezładu śmierci schludność i porządek.
Groza tego widoku
jest umiarkowana, zakres
ściśle lokalny, od perzu do mięty.
Smutek się nie udziela.
Niebo jest błękitne.
Dla naszego spokoju śmiercią jakby płytszą
nie umierają ale zdychają zwierzęta
tracąc, chcemy w to wierzyć, mniej czucia i świata,
schodząc, jak nam się zdaje, z mniej tragicznej sceny.
Ich potulne duszyczki
nie straszą nas
nocą,
szanują dystans,
wiedzą co to mores.
I oto ten na drodze
martwy żuk
w nieopłakanym stanie
ku słońcu
polśniewa.
Wystarczy o nim tyle
pomyśleć
co spojrzeć:
wygląda, że nie stało mu się nic
ważnego.
Ważne związane jest podobno z nami.
Na życie tylko nasze, naszą tylko śmierć,
śmierć, która wymuszonym cieszy się pierwszeństwem.
Visão do Alto
(Ajit Deswandikar:
pintor indiano)
Visto do alto
Um besouro morto num
caminho campestre.
Três pares de
perninhas dobradas sobre o ventre.
Ao invés da desordem
da morte – ordem e limpeza.
O horror da cena é
moderado,
o âmbito estritamente
local, da tiririca à menta.
A tristeza não se
transmite.
O céu está azul.
Para nosso sossego,
os animais não falecem,
morrem de uma morte
por assim dizer mais rasa,
perdendo – queremos
crer – menos sentimento e mundo,
partindo – assim nos
parece – de uma cena menos trágica.
Suas alminhas dóceis
não nos assombram à noite,
mantêm distância,
Conhecem as boas
maneiras.
E assim esse besouro
morto no caminho,
não pranteado, brilha
ao sol.
Basta pensar nele a
duração de um olhar:
parece que nada
importante lhe aconteceu.
O importante
supostamente tem a ver conosco.
Com a nossa vida
somente, só com nossa morte,
uma morte que conta
com forçada precedência.
Referências:
SZYMBORSKA, Wisława. Widziane z góry / Visto do alto. Tradução
de Regina Przybycien. In: __________. Um
amor feliz. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. 1. ed.
Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. Em polonês: p. 156;
em português: p. 157.
MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international
anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt,
1998.
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