Da autoria de um dos mais importantes editores brasileiros do último quartel do
século passado, este poema é sobre o próprio ato da escrita, da elaboração do
poema propriamente dito, do elemento prospectivo que sempre paira em suas
linhas, previamente insuspeitado, mas notoriamente óbvio depois que a rosa
exibe os seus predicados.
Talvez o autor esteja a se referir ao hábito catártico de se pôr no
papel todas as emoções que nos confrangem em determinado momento, e amassando
entre os dedos, logo depois, a página onde recolhidas, teríamos sem demora nos
tornado novamente senhores de nossos destinos: eventuais poemas que venham a
remanescer – “simples rasuras”? – talvez mereçam fixar-se como literatura.
J.A.R. – H.C.
Pedro Paulo de Sena Madureira
(n. 1948)
Ancora a pena no espaço
Ancora a pena no
espaço livre da página
e tua escritura
naufraga.
Arroja livre a pena
para os limites da página
e teu verso naufraga.
Escuta porém o ruído
fino,
o corte maligno da
pena na página,
a continuidade
líquida de letras formando sílabas,
sílabas gerando
nomes,
nomes anulando
coisas.
Deixa que tuas mãos
trêmulas
amassem a página
inquieta,
alquimia indecifrável
de signos de nenhuma linguagem
em puro papel,
e nenhum lixo o
abriga,
nenhum livro o
aguarda.
Por que obedeces
ainda
ao fluxo que não se
estanca,
ao ritmo que não se
quebra,
às imagens que não se
apagam?
Sufocas,
pouco a pouco afogas
em vão palavras que
se defloram em tua garganta seca.
Louco! não te
importes:
toda literatura é
opaca
até que venhas e
risques
na página enfurecida
mero poema,
simples rasura.
Na seção: “Mordaças”
Mulher escrevendo uma carta
(Gerard ter Borch:
pintor holandês)
Referência:
MADUREIRA, Pedro Paulo de Sena. Ancora
a pena no espaço. In: __________. Devastação.
Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976. p. 32-33.
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