Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de junho de 2019

Pedro Paulo de Sena Madureira - Ancora a pena no espaço

Da autoria de um dos mais importantes editores brasileiros do último quartel do século passado, este poema é sobre o próprio ato da escrita, da elaboração do poema propriamente dito, do elemento prospectivo que sempre paira em suas linhas, previamente insuspeitado, mas notoriamente óbvio depois que a rosa exibe os seus predicados.

Talvez o autor esteja a se referir ao hábito catártico de se pôr no papel todas as emoções que nos confrangem em determinado momento, e amassando entre os dedos, logo depois, a página onde recolhidas, teríamos sem demora nos tornado novamente senhores de nossos destinos: eventuais poemas que venham a remanescer – “simples rasuras”? – talvez mereçam fixar-se como literatura.

J.A.R. – H.C.

Pedro Paulo de Sena Madureira
(n. 1948)

Ancora a pena no espaço

Ancora a pena no espaço livre da página
e tua escritura naufraga.

Arroja livre a pena para os limites da página
e teu verso naufraga.

Escuta porém o ruído fino,
o corte maligno da pena na página,
a continuidade líquida de letras formando sílabas,
sílabas gerando nomes,
nomes anulando coisas.
Deixa que tuas mãos trêmulas
amassem a página inquieta,
alquimia indecifrável de signos de nenhuma linguagem
em puro papel,
e nenhum lixo o abriga,
nenhum livro o aguarda.

Por que obedeces ainda
ao fluxo que não se estanca,
ao ritmo que não se quebra,
às imagens que não se apagam?

Sufocas,
pouco a pouco afogas
em vão palavras que se defloram em tua garganta seca.

Louco! não te importes:

toda literatura é opaca
até que venhas e risques
na página enfurecida
mero poema,
simples rasura.

Na seção: “Mordaças”

Mulher escrevendo uma carta
(Gerard ter Borch: pintor holandês)

Referência:

MADUREIRA, Pedro Paulo de Sena. Ancora a pena no espaço. In: __________. Devastação. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976. p. 32-33.

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