Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 22 de junho de 2019

Reinaldo Ferreira - Ela, a Poesia, hoje

Será o fim da poesia acalentado pela própria poesia? Para quê os trabalhos líricos de Orfeu, se já não se fazem presentes os pássaros e os animais que lhe atribuíam valor? A poesia está nos estertores ou já terá morrido? Qual a terapêutica que poderemos empregar para tirá-la desse quadro desolador?

Sinceramente, não me parece que a poesia esteja adentrando os umbrais da morte. Veja-se que há tantos sítios de poesia na internet, com uma abundância de produções de jovens e velhos poetas, muitos com ideias bastante interessantes, que seria mais honesto afirmar que o problema está muito menos do lado da oferta do que no da demanda...

J.A.R. – H.C.

Reinaldo Ferreira
(1922-1959)

Ela, a Poesia, hoje

Ela, a Poesia, hoje,
Como que foge
De si mesma e se dói
De ter sido algum dia
Meramente poesia.

Erra,
Solitária e solene,
Nos caminhos da terra,
E vitupera o céu
E o que ele encerra:
– Ah! morra! Ah! esqueça Orfeu!

Canta a grilheta, a enxada
E a madrugada
Dos dias que hão-de-vir,
E como frutos, cair
Em nossas mãos...

Fala no imperativo,
E tem por vocativo
– Irmão! Irmãos!

Mas longe,
E perto, porque em nós,
Onde uma fonte canta
Uma toada clara,
Um fauno sabe e ri,
Na pedra gasta e escura,
Um fim de riso
De ironia rara...

Na seção: “Epigramas”

Orfeu no Hades
(Pierre Amédée Marcel-Beronneau: pintor francês)

Referência:

FERREIRA, Reinaldo. Ela, a poesia, hoje. In: __________. Poemas. Prefácio de José Régio. 2. ed. Lisboa, PT: Portugália, mai.1966. p. 19-20. (Coleção ‘Poetas de Hoje’; v. 21)

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