Será o fim da poesia acalentado pela própria poesia? Para quê os
trabalhos líricos de Orfeu, se já não se fazem presentes os pássaros e os
animais que lhe atribuíam valor? A poesia está nos estertores ou já terá
morrido? Qual a terapêutica que poderemos empregar para tirá-la desse quadro
desolador?
Sinceramente, não me parece que a poesia esteja adentrando os umbrais da
morte. Veja-se que há tantos sítios de poesia na internet, com uma abundância
de produções de jovens e velhos poetas, muitos com ideias bastante
interessantes, que seria mais honesto afirmar que o problema está muito menos
do lado da oferta do que no da demanda...
J.A.R. – H.C.
Reinaldo Ferreira
(1922-1959)
Ela, a Poesia, hoje
Ela, a Poesia, hoje,
Como que foge
De si mesma e se dói
De ter sido algum dia
Meramente poesia.
Erra,
Solitária e solene,
Nos caminhos da
terra,
E vitupera o céu
E o que ele encerra:
– Ah! morra! Ah!
esqueça Orfeu!
Canta a grilheta, a
enxada
E a madrugada
Dos dias que
hão-de-vir,
E como frutos, cair
Em nossas mãos...
Fala no imperativo,
E tem por vocativo
– Irmão! Irmãos!
Mas longe,
E perto, porque em
nós,
Onde uma fonte canta
Uma toada clara,
Um fauno sabe e ri,
Na pedra gasta e
escura,
Um fim de riso
De ironia rara...
Na seção: “Epigramas”
Orfeu no Hades
(Pierre Amédée
Marcel-Beronneau: pintor francês)
Referência:
FERREIRA, Reinaldo. Ela, a poesia,
hoje. In: __________. Poemas.
Prefácio de José Régio. 2. ed. Lisboa, PT: Portugália, mai.1966. p. 19-20.
(Coleção ‘Poetas de Hoje’; v. 21)
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