Uma ode à beleza do cotidiano, num despertar dos sentidos para a vida
própria que todas as coisas possuem, mesmo as que consideramos inanimadas, como
uma escova de cabelo, uma chaleira, uma cadeira ou uma chávena: tal é o enredo
do poema de Sexton, que, com tanta alegria a cada manhã, só pensa em
compartilhá-la com os seus leitores.
É a apologia do universo extático, a iniciar-se com a alvorada numa
forma ritual: a vida tem o seu brilho quando por ela passamos com o propósito
de melhorar o mundo e, ao mesmo tempo, desfrutá-lo. Não seria a felicidade uma
espécie de crédito que resulta do desígnio de se atribuir significado às nossas
mais comezinhas experiências?!...
J.A.R. – H.C.
Anne Sexton
(1928-1974)
Welcome Morning
There is joy
in all:
in the hair I brush
each morning,
in the Cannon towel, newly
washed,
that I rub my body
with each morning,
in the chapel of eggs
I cook
each morning,
in the outcry from
the kettle
that heats my coffee
each morning,
in the spoon and the
chair
that cry “hello
there, Anne”
each morning,
in the godhead of the
table
that I set my silver,
plate, cup upon
each morning.
All this is God,
right there in my
pea-green house
each morning
and I mean,
though often forget,
to give thanks,
to faint down by the
kitchen table
in a prayer of
rejoicing
as the holy birds at
the kitchen window
peck into their
marriage of seeds.
So while I think of
it,
let me paint a
thank-you on my palm
for this God, this
laughter of the morning,
lest it go unspoken.
The Joy that isn’t
shared, I’ve heard,
dies young.
Veneza pela manhã
(Evgenia Klimenko:
pintora ucraniana)
Bem-Vinda Manhã
Há alegria
em tudo:
no cabelo que escovo todas
as manhãs,
na toalha de banho,
recém-lavada,
com que me esfrego o
corpo todas as manhãs,
na pilha de ovos que
cozinho
todas as manhãs,
no sibilo da chaleira
que aquece meu café
todas as manhãs,
na colher e na
cadeira
como que a exclamar
“olá, Anne”
todas as manhãs,
no nume da mesa
sobre a qual eu ponho
o talher, o prato e a chávena
todas as manhãs.
Tudo isso é Deus,
precisamente ali em
minha casa verde-ervilha
todas as manhãs
e tenciono,
ainda que amiúde me
esqueça,
dar graças,
reclinar-me dignamente
junto à mesa da cozinha
em uma oração de
regozijo
quando as aves
sagradas na janela da cozinha
bicam em sua boda de
sementes.
Então, enquanto assim
medito, deixem-me retratar
um agradecimento com
as palmas de minha mão
a esse Deus, a esse
riso da manhã,
para que isso não
fique meramente implícito.
A Alegria não compartilhada,
ouvi dizer,
morre jovem.
Referência:
SEXTON, Anne. Welcome morning. In:
KEILLOR, Garrison (Selector and Introducer). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 5-6.
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Bom dia,
ResponderExcluirDescobri seu blog por acaso e estou maravilhada! Você tem um gosto muito requintado e fiquei muito satisfeita com as seleções que você divulga aqui. Muito obrigada!!
Prezada Morrigwan,
ExcluirGrato pelo encômio. Mais satisfeito ainda em razão de que gostou da seleção de poemas postados. A agradecer, de fato, sou eu, pelo acesso às postagens.
Um abraço,
João A. Rodrigues