Trevisan tece uma exultação a Stevens (1879-1955), grande poeta
norte-americano, por meio de um poema a evoluir em estrofes com três versos –
os denominados tercetos –, um padrão que parodia a mais comum das formas
empregadas por Stevens em sua extensa obra poética.
Enfatize-se que o poeta norte-americano – para muitos, um arauto de uma
nova metafísica centrada na ausência de Deus – era, até onde se sabe, um ateu –
ou, na melhor das hipóteses, um agnóstico –, e há ainda muita controvérsia
sobre a sua hipotética conversão ao catolicismo em seu leito de morte, após
internação para trato de um câncer de estômago.
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
Aleluia para Wallace Stevens
Não há de, no
sepulcro, abrir-se a rosa?
Ou se abrirá, no seio
do repouso,
na face nua da tarde
silenciosa?
Talvez, a Deus, Lhe
bastem os gemidos
da criatura em parto,
ou, porque dorme,
a luz que acalma os
cisnes, perseguidos.
E, sem embargo, o
túmulo ressoa
de um som de trompa
em corredor perdido,
e nele o osso
esplende, e a carne é boa!
A companheira
arrulha, quer a vida,
o companheiro a
abraça, e liba o mel.
Por que ficou, no
chão, torre partida,
a absurda sede que
queria tudo?
A morte não é mãe do
belo, é fêmea
que rói as unhas sob
um velho escudo,
que se jogou, depois
de um duelo triste,
à sombra de um
menino; e ela sabe
que a roerá, um dia,
quem resiste.
Aqui estás, ao sol
das onze horas...
Mas quem és tu? Oh,
pobre Rei de Asine,
o verde mar
contemplas e, a desoras,
sorves um tempo que
te sorverá.
De nada te aproveita
o arnês que ostentas,
a vinha nua, o bicho
que acolá,
na cauda de mil
olhos, te saudava!
Ao câncer, devagar,
irás doando
teu coração, que a
pedra desmanchava.
Ei-lo, uma pomba! Ou
mais: é cotovia
que canta sobre o
siso e a gerência.
Assim, hás de voltar
ao que se via
ao topo da criança,
ao búzio velho,
em cuja boa a hóstia
é sol hostil.
E ali, sem penhoar,
brandir o relho
às ancas do corcel
alimentando-o
com o temor. E após
queimá-lo vivo
na sarça que Moisés
viu, hesitando.
Aos mortos o que é
seu. Que bem moídos,
na escuridão da
gleba, onde a semente
os quer, reapareçam
submergidos
na glória do festim.
E à relva deem
um pouco de
respiração. Calçados,
em direção à sombra,
voem também.
Em: “Os Olhos da Noite” (1997)
Peixe na Cidade
(Vladimir Kush:
pintor russo)
Referência:
TREVISAN, Armindo. Aleluia a Wallace
Stevens. In: __________. Nova antologia
poética: 1967-2001. Porto Alegre, RS: Sulina, 2001.p. 49-50.
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