Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Armindo Trevisan - Aleluia para Wallace Stevens

Trevisan tece uma exultação a Stevens (1879-1955), grande poeta norte-americano, por meio de um poema a evoluir em estrofes com três versos – os denominados tercetos –, um padrão que parodia a mais comum das formas empregadas por Stevens em sua extensa obra poética.

Enfatize-se que o poeta norte-americano – para muitos, um arauto de uma nova metafísica centrada na ausência de Deus – era, até onde se sabe, um ateu – ou, na melhor das hipóteses, um agnóstico –, e há ainda muita controvérsia sobre a sua hipotética conversão ao catolicismo em seu leito de morte, após internação para trato de um câncer de estômago.

J.A.R. – H.C.

Armindo Trevisan
(n. 1933)

Aleluia para Wallace Stevens

Não há de, no sepulcro, abrir-se a rosa?
Ou se abrirá, no seio do repouso,
na face nua da tarde silenciosa?

Talvez, a Deus, Lhe bastem os gemidos
da criatura em parto, ou, porque dorme,
a luz que acalma os cisnes, perseguidos.

E, sem embargo, o túmulo ressoa
de um som de trompa em corredor perdido,
e nele o osso esplende, e a carne é boa!

A companheira arrulha, quer a vida,
o companheiro a abraça, e liba o mel.
Por que ficou, no chão, torre partida,

a absurda sede que queria tudo?
A morte não é mãe do belo, é fêmea
que rói as unhas sob um velho escudo,

que se jogou, depois de um duelo triste,
à sombra de um menino; e ela sabe
que a roerá, um dia, quem resiste.

Aqui estás, ao sol das onze horas...
Mas quem és tu? Oh, pobre Rei de Asine,
o verde mar contemplas e, a desoras,

sorves um tempo que te sorverá.
De nada te aproveita o arnês que ostentas,
a vinha nua, o bicho que acolá,

na cauda de mil olhos, te saudava!
Ao câncer, devagar, irás doando
teu coração, que a pedra desmanchava.

Ei-lo, uma pomba! Ou mais: é cotovia
que canta sobre o siso e a gerência.
Assim, hás de voltar ao que se via

ao topo da criança, ao búzio velho,
em cuja boa a hóstia é sol hostil.
E ali, sem penhoar, brandir o relho

às ancas do corcel alimentando-o
com o temor. E após queimá-lo vivo
na sarça que Moisés viu, hesitando.

Aos mortos o que é seu. Que bem moídos,
na escuridão da gleba, onde a semente
os quer, reapareçam submergidos

na glória do festim. E à relva deem
um pouco de respiração. Calçados,
em direção à sombra, voem também.

Em: “Os Olhos da Noite” (1997)

Peixe na Cidade
(Vladimir Kush: pintor russo)

Referência:

TREVISAN, Armindo. Aleluia a Wallace Stevens. In: __________. Nova antologia poética: 1967-2001. Porto Alegre, RS: Sulina, 2001.p. 49-50.

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