Centrado na ideia de se abrir e fechar portas, enquanto metáfora para a
oferta ou restrição de oportunidades de vida, Melo Neto associa-a a certo ato
de criação de um arquiteto, levando-a às mais distintas hipóteses do que um
simples movimento de abertura e fechamento de umbrais é capaz de promover.
Se tudo são aberturas para o exterior, há permissão para a luz entrar,
quer no plano denotativo – vinda da difusão dos raios solares –, quer no conotativo
– pois somos também parte das ideias que nos transmitem os pares. Mas se nos
fechamos, vedamos portas e janelas, retornamos ao estado primordial da “capela-útero”
e, sob o estatuto do medo, não seremos mais genuinamente livres.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Fábula de um arquiteto
A arquitetura como
construir portas,
de abrir; ou como
construir o aberto;
construir, não como
ilhar e prender,
nem construir como
fechar secretos;
construir portas
abertas, em portas;
casas exclusivamente
portas e teto.
O arquiteto: o que
abre para o homem
(tudo se sanearia
desde casas abertas)
portas por-onde,
jamais portas-contra;
por onde, livres: ar
luz razão certa.
2.
Até que, tantos
livres o amedrontando,
renegou dar a viver
no claro e aberto.
Onde vãos de abrir,
ele foi amurando
opacos de fechar;
onde vidro, concreto;
até refechar o homem:
na capela útero,
com confortos de
matriz, outra vez feto.
Em: “A educação pela pedra” (1962-1965)
Igreja de Santo Alexandre
(Tytus Brzozowski:
artista polonês)
Referência:
MELO NETO, João Cabral de. Fábula de um
arquiteto. In: __________. Da educação
pela pedra à pedra do sono: antologia poética. 1. ed. São Paulo, SP:
Círculo do Livro, 1986. p. 21.
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