Veja, leitor, como o poema abaixo subsume-se à perfeição com o bando de
brucutus que tomou conta do poder em Pindorama: há até menção a um contato com
os índios da tribo Pele-Vermelha, sempre empregados como parâmetro, pois como
costumam dizer os brucutus empedernidos, “o que é bom para os EUA é bom para o
Brasil”.
O que ressalta na metáfora de Eduardo Alves é o fato de que o poema
dirigia-se aos brucutus de um dado momento da história do país, vale dizer, aqueles
que tomaram o poder num golpe, em 1964, e impuseram uma ditadura de pouco mais
de duas décadas – que os brucutus do momento tentam negar de toda forma!
Contudo, quando se lê o poema na íntegra, percebe-se que nada mudou em
Pindorama, e estamos hoje num processo de estagnação do estado mental que mais
parece o revolver de um pesadelo pelo qual já passamos. Haja mediocridades: os brucutus
se superam a cada passo, mostrando que não bastam algumas décadas para se
civilizarem, senão centúrias e centúrias!
J.A.R. – H.C.
Eduardo Alves da Costa
(n. 1936)
Na Terra dos Brucutus
Na Terra dos Brucutus
quem tiver tacape é
rei;
para quem anda de
tanga
a força bruta é a
lei.
Na Terra dos Brucutus
os jornais não dizem
nada
que o Rei-Brucutu não
queira;
e o Conselho dos
Pajés
não passa de
brincadeira,
jogo sutil de
palavras
que logo depois de
impressas
nas folhas de
bananeira
se tornam murchas,
vazias.
Na Terra dos Brucutus
os nativos não
conhecem
as coisas boas da
vida
e cumprem suas
tarefas
com a alma
ressentida.
Os feiticeiros da
tribo
prometem anos
melhores
e contam a velha
história
do povo Pele-Vermelha
que morreu a chumbo e
fome
e hoje, com outro
nome,
se vê coberto de
glória.
Às vezes, no meio da
taba
confirmando a mesma
lenda,
surge um guerreiro
estrangeiro,
falando língua de
gente;
mora na praia
Vermelha,
envolto em grande
mistério
e dizem que o ministério
encarregado da guerra
nada resolve sem ele
Na Terra dos Brucutus
ninguém se quer
responsável
pela miséria da
tribo;
acreditam na banana
como fator ponderável
no balanço das rações
e citam mesmo nações
que atravessaram o
tempo
comendo apenas arroz.
A banana é tão
saudável
– dizem os sábios da
taba –
que tribo
Pele-Vermelha
concede sua amizade
aos reis que fazem
seu povo
plantar bananeira.
Na Terra dos Brucutus
o trabalho é
planejado
por um nativo
instruído
que passa os dias
fechado
em sua babanoteca,
procurando a
diferença
entre o ter e o não
ter.
É um homem
respeitado,
mais de um que de
outro lado
do Grande Rio.
Às vezes sai de
piroga
e se alguém o
interroga
sobre as razões da
viagem,
responde
laconicamente:
A Balança Orçamentária.
Volta sempre com novo
empréstimo
de ossos, conchas e
contas.
Contas que são
colares
para dobrar o pescoço
de tão pesados e
caros.
Na Terra dos Brucutus
são assim todas as
coisas,
de rara cosmogonia.
São quase
pornografia,
de tão cínicas,
fechadas,
girando sobre si
mesmas.
Um reino tão
desolado,
que a juventude da
tribo
resolveu cruzar o rio
e esperar do outro
lado
que o Rei e seus
Pajés
morram empanturrados
de bananas e
decretos.
Em: “O tocador de atabaque” (1962-1969)
Guerrilha
(Rugendas: pintor
alemão)
Referência:
COSTA, Eduardo Alves da. Na terra dos
brucutus. In: __________. No caminho,
com Maiakóvski. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1988. p. 54-56.
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