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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 2 de junho de 2019

Mario Benedetti - História de vampiros

Tudo se passa como se fosse uma historinha graciosa, sem maiores pretensões, sobre vampiros e algumas de suas peripécias de vida, enredados em predileções por sangue ou, simplesmente, água – como passou a propagandear um que, em consequência, foi morto pela maioria, mas que, logo depois, passou a ser venerado como mártir.

Trata-se, obviamente, de uma metáfora dirigida a confrontar o poder estabelecido – em especial, o político-econômico –, que busca eliminar todo aquele que luta por mudança, deixando intacto o ‘status quo’. Mas o sacrifício dos imolados cala fundo em uns poucos e, daí em diante, em muitos outros, até que o poder já não pode se sustentar sem alterar-se de algum modo: os mortos passam a fazer parte da história como mártires de uma causa que se tornou, agora, aceita pela sociedade em geral.

J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)

Historia de vampiros

Era un vampiro que sorbía agua
por las noches y por las madrugadas
al mediodía y en la cena

era abstemio de sangre
y por eso el bochorno
de los otros vampiros
y de las vampiresas

contra viento y marea se propuso
fundar una bandada
de vampiros anônimos

hizo campaña bajo la menguante,
bajo la llena y la creciente
sus modestas pancartas proclamaban
vampiros beban agua
la sangre trae cáncer

es claro los quirópteros
reunidos en su ágora de sombras
opinaron que eso era inaudito

aquel loco aquel alucinado
podía convencer a los vampiros flojos,
esos que liban boldo tras la sangre

de modo que una noche
con nubes de tormenta
cinco vampiros fuertes
sedientos de hematíes plaquetas leucocitos
rodearon al chiflado al insurrecto
y acabaron con él y su imprudencia
cuando por fin la luna
pudo asomarse     vio allá abajo
el pobre cuerpo del vampiro anónimo
con cinco heridas que manaban
formando un gran charco de agua

lo que no pudo ver la luna
fue que los cinco ejecutores
se refugiaban en un árbol
y a su pesar reconocían
que aquello no sabía mal

desde esa noche que fue histórica
ni los vampiros ni las vampiresas
chupan más sangre     resolvieron
por unanimidad pasarse al agua

Como suele ocurrir en estos casos
el singular vampiro anónimo
es venerado como un mártir

En: “Preguntas al azar” (1984-1985)

A Vampira
(Edvard Münch: pintor norueguês)

História de vampiros

Era um vampiro que tomava água
pelas noites e pelas madrugadas
ao meio-dia e no jantar

era abstêmio de sangue
e por isso a vergonha
dos outros vampiros
e das vamps

contra vento e maré se propôs
fundar uma bandada
de vampiros anônimos

fez campanha sob a minguante
sob a cheia e a crescente
seus modestos cartazes proclamavam
vampiros bebam água
o sangue dá câncer

é claro que os quirópteros
reunidos em sua ágora de sombras
opinaram que isso era inaudito

aquele louco aquele alucinado
podia convencer os vampiros fracos
esses que tomam boldo após o sangue

de maneira que uma noite
com nuvens de granizo
cinco vampiros fortes
sedentos de hemácias plaquetas leucócitos
cercaram o adoidado o insurrecto
e acabaram com ele e sua imprudência
quando por fim a lua
pôde aparecer     viu lá embaixo
o pobre corpo do vampiro anônimo
com cinco feridas que manavam
formando uma grande poça d’água

o que não pôde ver a lua
foi que os cinco executores
se refugiavam numa árvore
e a contragosto reconheciam
que o gosto não era ruim

dessa noite histórica em diante
nem os vampiros nem as vamps
chupam mais sangue     resolveram
por unanimidade beber água

como costuma acontecer nesses casos
o singular vampiro anônimo
é venerado como um mártir

Em: “Perguntas ao acaso” (1984-1985)

Referência:

BENEDETTI, Mario. Historia de vampiros / História de vampiros. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Tradução de Julio Luís Gehlen. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 58 e 60; em português: p. 59 e 61.

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