Tudo se passa como se fosse uma historinha graciosa, sem maiores
pretensões, sobre vampiros e algumas de suas peripécias de vida, enredados em predileções
por sangue ou, simplesmente, água – como passou a propagandear um que, em
consequência, foi morto pela maioria, mas que, logo depois, passou a ser
venerado como mártir.
Trata-se, obviamente, de uma metáfora dirigida a confrontar o poder
estabelecido – em especial, o político-econômico –, que busca eliminar todo
aquele que luta por mudança, deixando intacto o ‘status quo’. Mas o sacrifício
dos imolados cala fundo em uns poucos e, daí em diante, em muitos outros, até
que o poder já não pode se sustentar sem alterar-se de algum modo: os mortos
passam a fazer parte da história como mártires de uma causa que se tornou,
agora, aceita pela sociedade em geral.
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Historia de vampiros
Era un vampiro que
sorbía agua
por las noches y por
las madrugadas
al mediodía y en la
cena
era abstemio de
sangre
y por eso el bochorno
de los otros vampiros
y de las vampiresas
contra viento y marea
se propuso
fundar una bandada
de vampiros anônimos
hizo campaña bajo la
menguante,
bajo la llena y la creciente
sus modestas
pancartas proclamaban
vampiros beban agua
la sangre trae cáncer
es claro los
quirópteros
reunidos en su ágora
de sombras
opinaron que eso era
inaudito
aquel loco aquel
alucinado
podía convencer a los
vampiros flojos,
esos que liban boldo
tras la sangre
de modo que una noche
con nubes de tormenta
cinco vampiros
fuertes
sedientos de hematíes
plaquetas leucocitos
rodearon al chiflado
al insurrecto
y acabaron con él y
su imprudencia
cuando por fin la
luna
pudo asomarse vio allá abajo
el pobre cuerpo del
vampiro anónimo
con cinco heridas que
manaban
formando un gran
charco de agua
lo que no pudo ver la
luna
fue que los cinco
ejecutores
se refugiaban en un
árbol
y a su pesar
reconocían
que aquello no sabía
mal
desde esa noche que fue
histórica
ni los vampiros ni
las vampiresas
chupan más sangre resolvieron
por unanimidad
pasarse al agua
Como suele ocurrir en
estos casos
el singular vampiro
anónimo
es venerado como un
mártir
En: “Preguntas al azar” (1984-1985)
A Vampira
(Edvard Münch: pintor
norueguês)
História de vampiros
Era um vampiro que
tomava água
pelas noites e pelas
madrugadas
ao meio-dia e no
jantar
era abstêmio de
sangue
e por isso a vergonha
dos outros vampiros
e das vamps
contra vento e maré
se propôs
fundar uma bandada
de vampiros anônimos
fez campanha sob a
minguante
sob a cheia e a
crescente
seus modestos
cartazes proclamavam
vampiros bebam água
o sangue dá câncer
é claro que os
quirópteros
reunidos em sua ágora
de sombras
opinaram que isso era
inaudito
aquele louco aquele
alucinado
podia convencer os
vampiros fracos
esses que tomam boldo
após o sangue
de maneira que uma
noite
com nuvens de granizo
cinco vampiros fortes
sedentos de hemácias
plaquetas leucócitos
cercaram o adoidado o
insurrecto
e acabaram com ele e
sua imprudência
quando por fim a lua
pôde aparecer viu lá embaixo
o pobre corpo do
vampiro anônimo
com cinco feridas que
manavam
formando uma grande
poça d’água
o que não pôde ver a
lua
foi que os cinco
executores
se refugiavam numa
árvore
e a contragosto
reconheciam
que o gosto não era
ruim
dessa noite histórica
em diante
nem os vampiros nem
as vamps
chupam mais sangue resolveram
por unanimidade beber
água
como costuma
acontecer nesses casos
o singular vampiro
anônimo
é venerado como um
mártir
Em: “Perguntas ao acaso” (1984-1985)
Referência:
BENEDETTI, Mario. Historia de vampiros
/ História de vampiros. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Tradução de Julio
Luís Gehlen. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p.
58 e 60; em português: p. 59 e 61.
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