Cheio de referências ao modo de vida do famoso escritor norte-americano,
a algumas de suas obras – como “Por quem os sinos dobram?” e “O sol também se
levanta” –, e, sobretudo, à forma como deu cabo à vida – com um tiro na cabeça –,
este poema do monge francês estabelece conexões com o próprio estilo de vida
monástico a que Merton esteve afeito.
O fecho da elegia avoca a ideia de um escritor frente ao vazio interior,
um inimigo com quem Hemingway não espera se unir. Afinal, um indivíduo sem
arrimo, o ego sem comunidade, mostra-se uma intrépida ilusão – e frágil. Daí um
final de vida inglório, como lamento e alerta de Merton, mesclados a um
indubitável panegírico deste aos méritos literários daquele.
Thomas Merton, antes de se tornar monge
num mosteiro trapista, Gethsemane, em Kentucky, já havia sido escritor e,
obviamente, respeitava escritores que moldaram o estilo de sua geração. Em
prosa, a influência mais forte foi exercida por Ernest Hemingway. Quando Hemingway
se suicidou, aos sessenta e três anos, um serviço para a sua alma foi, para o
monge Merton, também um adeus à sua própria juventude, ao seu aventureiro “eu”,
do qual ele procurou escapar no mosteiro (MILOSZ, 1998, p. 268).
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
An elegy for Ernest Hemingway
Now for the first
time on the night of your death
your name is
mentioned in convents, ne cadas in
obscurum.
Now with a true bell
your story becomes final. Now
men in monasteries,
men of requiems, familiar with
the dead, include you
in their offices.
You stand anonymous
among thousands, waiting in
the dark at great
stations on the edge of countries
known to prayer
alone, where fires are not merciless,
we hope, and not
without end.
You pass briefly
through our midst. Your books and
writing have not been
consulted. Our prayers are
pro defuncto N.
Yet some look up, as
though among a crowd of prisoners
or displaced persons,
they recognized a friend
once known in a far
country. For these the sun also
rose after a
forgotten war upon an idiom you made
great. They have not
forgotten you. In their silence
you are still famous,
no ritual shade.
How slowly this bell
tolls in a monastery tower for a
whole age, and for
the quick death of an unready
dynasty, and for that
brave illusion: the adventurous
self!
For with one shot the
whole hunt is ended!
Ernest Hemingway
(1899-1961)
Uma elegia a Ernest Hemingway
Agora, no primeiro
aniversário da noite de tua morte,
teu nome é mencionado
nos conventos, ne cadas in
obscurum (1).
Agora, com um sino de
verdade,
tua história chega ao
seu final. Agora,
os homens nos monastérios,
homens de réquiens,
familiarizados com a
morte, incluem-te em seus ofícios.
Permaneces anônimo
entre milhares, aguardando em
grandes e escuras
estações, nos confins de países
apenas conhecidos mediante
orações, onde os fogaréus
não se mostram desapiedados
– esperamos – e não
sem termo.
Passas sem demora por
nosso meio. Já não se
consultam teus livros
e escritos. Nossas orações são
pro defuncto N (2).
Ainda assim, alguns
olham para cima como se, no
meio de uma multidão
de prisioneiros
ou de refugiados, distinguissem um amigo
outrora conhecido em
um país distante. Para estes,
ergueu-se também
o sol após uma guerra
esquecida sobre um idioma que
engrandeceste. Eles
não te esqueceram. No silêncio que
prezam, segues sendo
famoso, não uma sombra ritual.
Quão lentamente dobra
este sino na torre de um
monastério por
toda uma era, pela
súbita morte de uma dinastia
ainda não versada e por
aquela intrépida ilusão:
o eu aventureiro.
Pois com um disparo
se termina toda a caça!
Notas:
(1). Expressão latina empregada em
salmos: “não caias no esquecimento”;
(2). Trata-se de expressão a fazer
referência ao defunto destinatário das orações, nos ofícios corais monásticos.
Referência:
MERTON, Thomas. Uma An elegy for Ernest
Hemingway. MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international
anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p.
208-209.
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