Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Thomas Merton - Uma elegia a Ernest Hemingway

Cheio de referências ao modo de vida do famoso escritor norte-americano, a algumas de suas obras – como “Por quem os sinos dobram?” e “O sol também se levanta” –, e, sobretudo, à forma como deu cabo à vida – com um tiro na cabeça –, este poema do monge francês estabelece conexões com o próprio estilo de vida monástico a que Merton esteve afeito.

O fecho da elegia avoca a ideia de um escritor frente ao vazio interior, um inimigo com quem Hemingway não espera se unir. Afinal, um indivíduo sem arrimo, o ego sem comunidade, mostra-se uma intrépida ilusão – e frágil. Daí um final de vida inglório, como lamento e alerta de Merton, mesclados a um indubitável panegírico deste aos méritos literários daquele.

Thomas Merton, antes de se tornar monge num mosteiro trapista, Gethsemane, em Kentucky, já havia sido escritor e, obviamente, respeitava escritores que moldaram o estilo de sua geração. Em prosa, a influência mais forte foi exercida por Ernest Hemingway. Quando Hemingway se suicidou, aos sessenta e três anos, um serviço para a sua alma foi, para o monge Merton, também um adeus à sua própria juventude, ao seu aventureiro “eu”, do qual ele procurou escapar no mosteiro (MILOSZ, 1998, p. 268).

J.A.R. – H.C.

Thomas Merton
(1915-1968)

An elegy for Ernest Hemingway

Now for the first time on the night of your death
your name is mentioned in convents, ne cadas in
obscurum.

Now with a true bell your story becomes final. Now
men in monasteries, men of requiems, familiar with
the dead, include you in their offices.

You stand anonymous among thousands, waiting in
the dark at great stations on the edge of countries
known to prayer alone, where fires are not merciless,
we hope, and not without end.

You pass briefly through our midst. Your books and
writing have not been consulted. Our prayers are
pro defuncto N.

Yet some look up, as though among a crowd of prisoners
or displaced persons, they recognized a friend
once known in a far country. For these the sun also
rose after a forgotten war upon an idiom you made
great. They have not forgotten you. In their silence
you are still famous, no ritual shade.

How slowly this bell tolls in a monastery tower for a
whole age, and for the quick death of an unready
dynasty, and for that brave illusion: the adventurous
self!

For with one shot the whole hunt is ended!

Ernest Hemingway
(1899-1961)

Uma elegia a Ernest Hemingway

Agora, no primeiro aniversário da noite de tua morte,
teu nome é mencionado nos conventos, ne cadas in
obscurum (1).

Agora, com um sino de verdade,
tua história chega ao seu final. Agora,
os homens nos monastérios, homens de réquiens,
familiarizados com a morte, incluem-te em seus ofícios.

Permaneces anônimo entre milhares, aguardando em
grandes e escuras estações, nos confins de países
apenas conhecidos mediante orações, onde os fogaréus
não se mostram desapiedados
– esperamos – e não sem termo.

Passas sem demora por nosso meio. Já não se
consultam teus livros e escritos. Nossas orações são
pro defuncto N (2).

Ainda assim, alguns olham para cima como se, no
meio de uma multidão de prisioneiros
ou de refugiados, distinguissem um amigo
outrora conhecido em um país distante. Para estes,
ergueu-se também
o sol após uma guerra esquecida sobre um idioma que
engrandeceste. Eles não te esqueceram. No silêncio que
prezam, segues sendo famoso, não uma sombra ritual.

Quão lentamente dobra este sino na torre de um
monastério por
toda uma era, pela súbita morte de uma dinastia
ainda não versada e por aquela intrépida ilusão:
o eu aventureiro.

Pois com um disparo se termina toda a caça!

Notas:

(1). Expressão latina empregada em salmos: “não caias no esquecimento”;

(2). Trata-se de expressão a fazer referência ao defunto destinatário das orações, nos ofícios corais monásticos.

Referência:

MERTON, Thomas. Uma An elegy for Ernest Hemingway. MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 208-209.

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