Nenhum estudo expedito ou mais aprofundado de viabilidade
técnico-econômica faz-se necessário para se erigir um poema, o templo preferencial
da poesia, isto porque ela é feita de um instável idioma, bem-amado pelos
anjos, para o qual valem quaisquer estados ontológicos: metafísico, estático ou
mais enfaticamente tangível.
Esse é o comento que sai da mente do próprio poeta, alguém que se manifesta
por experiência própria. Afinal, as musas são outras tantas entidades
metafísicas que se escondem por trás da aptidão do vate, a qual, se de fato não existe, torna limitado o alcance dos outros mundos em puro estado de concepção.
J.A.R. – H.C.
Joanyr de Oliveira
(1933-2009)
Autoexegese
O poeta é assim: vai
construindo.
Material leve e sem
corpo
brota dos canteiros
do pensamento.
Moeda não é preciso,
nem estudo
de viabilidade. Tudo
é viável.
Uma pedra amanhece
flor ou pássaro,
o voo, um sopro de
silêncios.
O féretro matinal
pode ser
nada metafísico ou
estático ou enfático –
mas compor tênue
mancha
a brincar nos ombros
da paisagem.
O poeta é assim:
surpreende e cala-se,
vai abrindo
subterrâneos
nas carnes do nada.
Percorre-se
mesmo enraizado a
grutas e argilas.
(Vem sempre uma
criança de luz
na mão que navega o
poema.)
O poeta é assim:
ninguém lhe traduz
o rosto a equilibrar
o infinito.
Bebendo as veias do
mundo,
mastiga as metáforas
verdes
e as que se abrem ao
beijo da solidão.
Só os anjos amam seu
instável idioma.
O poeta é assim...
Em: “O grito submerso” (1980)
Turno da Noite
(Paul Keysar: pintor
norte-americano)
Referência:
OLIVEIRA, Joanyr de. Autoexegese. In:
SEFFRIN, André (Seleção e Prefácio). Roteiro
da poesia brasileira: anos 50. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 180.
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