Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Joanyr de Oliveira - Autoexegese

Nenhum estudo expedito ou mais aprofundado de viabilidade técnico-econômica faz-se necessário para se erigir um poema, o templo preferencial da poesia, isto porque ela é feita de um instável idioma, bem-amado pelos anjos, para o qual valem quaisquer estados ontológicos: metafísico, estático ou mais enfaticamente tangível.

Esse é o comento que sai da mente do próprio poeta, alguém que se manifesta por experiência própria. Afinal, as musas são outras tantas entidades metafísicas que se escondem por trás da aptidão do vate, a qual, se de fato não existe, torna limitado o alcance dos outros mundos em puro estado de concepção.

J.A.R. – H.C.

Joanyr de Oliveira
(1933-2009)

Autoexegese

O poeta é assim: vai construindo.
Material leve e sem corpo
brota dos canteiros do pensamento.

Moeda não é preciso, nem estudo
de viabilidade. Tudo é viável.
Uma pedra amanhece flor ou pássaro,
o voo, um sopro de silêncios.
O féretro matinal pode ser
nada metafísico ou estático ou enfático –
mas compor tênue mancha
a brincar nos ombros da paisagem.

O poeta é assim: surpreende e cala-se,
vai abrindo subterrâneos
nas carnes do nada. Percorre-se
mesmo enraizado a grutas e argilas.
(Vem sempre uma criança de luz
na mão que navega o poema.)

O poeta é assim: ninguém lhe traduz
o rosto a equilibrar o infinito.
Bebendo as veias do mundo,
mastiga as metáforas verdes
e as que se abrem ao beijo da solidão.

Só os anjos amam seu instável idioma.

O poeta é assim...

Em: “O grito submerso” (1980)

Turno da Noite
(Paul Keysar: pintor norte-americano)

Referência:

OLIVEIRA, Joanyr de. Autoexegese. In: SEFFRIN, André (Seleção e Prefácio). Roteiro da poesia brasileira: anos 50. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 180.

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