Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Hermann Hesse - Canto da Morte de Abel

A morte do homem provocada pelo próprio homem tem no mito de Caim e Abel um de seus lastros conformadores: dali em diante o sangue dos inocentes passou a pairar, como uma ave agourenta, sobre toda a humanidade, fazendo-nos lembrar o comando do quinto mandamento da lei mosaica – não matarás!

Mas há aqueles que se comprazem em o fazer! A história está plena de exemplos de governos ilegítimos a levar os seus povos à guerra, com o máximo dispêndio de recursos, como se um estado de beligerância reiterado fosse, necessariamente, a única alternativa para alcançar os seus duvidosos objetivos.

J.A.R. – H.C.

Hermann Hesse
(1877-1962)

Das Lied Von Abels Tod

Tot in den Gräsern liegt Abel,
Bruder Kain ist entflohn.
Ein Vogel kommt, taucht den Schnabel
Ins Blut, schrickt auf. fliegt davon.

Der Vogel flieht durch die ganze Welt,
Sein Flug ist scheu, seine Stimme gellt,
Er klagt unendliche Klage:
Um den schönen Abel und seinen Todesschmerz,
Um den finsteren Kain imd seine Seelennot,
Um seine eigenen jungen Tage.

Bald schiesst ihm Kain seinen Pfeil ins Herz,
Bald wird er Streit und Krieg und Tod
In alle Hütten und Städte tragen,
Wird sich Feinde schaffen und sie erschlagen,
Wird sie und sich selber verzweifelt hassen,
Wird sie und sich selber in allen Gassen
Verfolgen und quälen bis zur nächsten Welten-Nacht,
Bis Kain endlich sich selber umgebracht.

Der Vogel flieht, aus seinem blutigen Schnabel
Schreit Todesklage über die ganze Welt.
Es hört ihn Kain, es hört ihn der tote Abel,
Es hören ihn Tausend unterm Himmelszelt.
Zehntausend aber und mehr, die hören ihn nicht,
Sie wollen nichts wissen von Abels Tod,
Nichts von Kain und seiner Herzensnot,
Nichts vom Blut, das aus so vielen Wunden bricht,
Nichts vom Krieg, der noch gestern gewesen
Und von dem sie jetzt in Romanen lesen.
Für sie alle, die Satten und Frohen,
Die Starken und die Rohen
Gibt es nicht Kain noch Abel, nicht Tod noch Leid,
Und den Krieg preisen sie als grosse Zeit.

Und wenn der klagende Vogel vorüberfliegt,
Dann nennen sie ihn Schwarzseher und Pessimist,
Fühlen sich stark und unbesiegt
Und werfen nach dem Vogel mit Steinen.
Bis er verstiunmt und verschwunden ist.
Oder machen Musik, dass mein ihn nicht mehr hört.
Weil seine traurige Stimme sie stört.

Der Vogel mit seinem kleinen
Blutstropfen am Schnabel fliegt von Ort zu Ort,
Seine Klage um Abel tönt fort und fort.

Caim e Abel
(Keith Vaughan: pintor inglês)

Canto da Morte de Abel

Morto jaz na relva Abel:
fugiu seu irmão Caim.
Um pássaro aproxima-se, mergulha o bico
no sangue, leva um susto e sai voando.

Foge o pássaro pelo mundo inteiro,
molhado o voo, estridulante a voz,
carpindo o seu lamento interminável:
sobre o formoso Abel e a dor da sua morte,
sobre o feio Caim e seu mortal pecado,
sobre seus próprios dias juvenis.

Logo lhe atira Caim ao coração sua flecha:
e logo há de levar disputa e guerra e morte
a todas as cabanas e cidades,
fará inimigos para assassiná-los,
a eles e a si mesmo em desespero odiando,
a eles e a si mesmo por todos os becos
caçando torturado até à próxima Noite Universal,
até de si por fim vomitar-se Caim.

Foge o pássaro: do seu bico ensanguentado
um lamento de morte faz-se ouvir cobrindo o
mundo inteiro.
Caim o escuta, o morto Abel o escuta,
mil o escutam sob o toldo celeste,
dez mil e mais não o escutam, porém,
sobre a morte de Abel não querem saber nada,
nada sobre Caim e o peso em seu coração,
nada do sangue a jorrar de tantas feridas,
nada da guerra que estava aí ainda ontem
e da qual sabem agora lendo romances.
Para esses todos, alegres e satisfeitos,
fortes e brutos,
Caim e Abel, tristeza e morte, não existem:
louvam a guerra como um tempo formidável.

E quando passa voando o pássaro lamentoso
dizem que é agourento e pessimista,
sentem-se fortes e invictos,
e apedrejam o pássaro
até fazê-lo calar e sumir,
ou tocam música para não mais o ouvirem
porque a voz triste dele os incomoda.

O pássaro com suas pequeninas
gotas de sangue no bico, voa de um a outro lugar
e o seu pranto por Abel não para de ressoar.

Referências:

Em Alemão

HESSE, Hermann. Das lied von Abels tod. Disponível neste endereço. Acesso em: 13 mar. 2019.

Em Português

HESSE, Hermann. Canto da morte de Abel. Tradução de Geir Campos. In: __________. Andares: antologia poética. Tradução de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1976. p. 157-158.

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