A morte do homem provocada pelo próprio homem tem no mito de Caim e Abel um de seus lastros conformadores: dali em diante o sangue dos inocentes passou a pairar, como uma
ave agourenta, sobre toda a humanidade, fazendo-nos lembrar o comando do quinto
mandamento da lei mosaica – não matarás!
Mas há aqueles que se comprazem em o fazer! A história está plena de
exemplos de governos ilegítimos a levar os seus povos à guerra, com o máximo
dispêndio de recursos, como se um estado de beligerância reiterado fosse,
necessariamente, a única alternativa para alcançar os seus duvidosos objetivos.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
Das Lied Von Abels Tod
Tot in den Gräsern
liegt Abel,
Bruder Kain ist
entflohn.
Ein Vogel kommt,
taucht den Schnabel
Ins Blut, schrickt
auf. fliegt davon.
Der Vogel flieht
durch die ganze Welt,
Sein Flug ist scheu,
seine Stimme gellt,
Er klagt unendliche
Klage:
Um den schönen Abel
und seinen Todesschmerz,
Um den finsteren Kain
imd seine Seelennot,
Um seine eigenen
jungen Tage.
Bald schiesst ihm
Kain seinen Pfeil ins Herz,
Bald wird er Streit
und Krieg und Tod
In alle Hütten und
Städte tragen,
Wird sich Feinde
schaffen und sie erschlagen,
Wird sie und sich
selber verzweifelt hassen,
Wird sie und sich
selber in allen Gassen
Verfolgen und quälen
bis zur nächsten Welten-Nacht,
Bis Kain endlich sich
selber umgebracht.
Der Vogel flieht, aus
seinem blutigen Schnabel
Schreit Todesklage
über die ganze Welt.
Es hört ihn Kain, es
hört ihn der tote Abel,
Es hören ihn Tausend
unterm Himmelszelt.
Zehntausend aber und
mehr, die hören ihn nicht,
Sie wollen nichts
wissen von Abels Tod,
Nichts von Kain und
seiner Herzensnot,
Nichts vom Blut, das
aus so vielen Wunden bricht,
Nichts vom Krieg, der
noch gestern gewesen
Und von dem sie jetzt
in Romanen lesen.
Für sie alle, die
Satten und Frohen,
Die Starken und die
Rohen
Gibt es nicht Kain
noch Abel, nicht Tod noch Leid,
Und den Krieg preisen
sie als grosse Zeit.
Und wenn der klagende
Vogel vorüberfliegt,
Dann nennen sie ihn
Schwarzseher und Pessimist,
Fühlen sich stark und
unbesiegt
Und werfen nach dem
Vogel mit Steinen.
Bis er verstiunmt und
verschwunden ist.
Oder machen Musik,
dass mein ihn nicht mehr hört.
Weil seine traurige Stimme
sie stört.
Der Vogel mit seinem
kleinen
Blutstropfen am
Schnabel fliegt von Ort zu Ort,
Seine Klage um Abel
tönt fort und fort.
Caim e Abel
(Keith Vaughan:
pintor inglês)
Canto da Morte de Abel
Morto jaz na relva
Abel:
fugiu seu irmão Caim.
Um pássaro
aproxima-se, mergulha o bico
no sangue, leva um
susto e sai voando.
Foge o pássaro pelo
mundo inteiro,
molhado o voo,
estridulante a voz,
carpindo o seu
lamento interminável:
sobre o formoso Abel
e a dor da sua morte,
sobre o feio Caim e seu
mortal pecado,
sobre seus próprios
dias juvenis.
Logo lhe atira Caim
ao coração sua flecha:
e logo há de levar
disputa e guerra e morte
a todas as cabanas e
cidades,
fará inimigos para
assassiná-los,
a eles e a si mesmo
em desespero odiando,
a eles e a si mesmo
por todos os becos
caçando torturado até
à próxima Noite Universal,
até de si por fim
vomitar-se Caim.
Foge o pássaro: do
seu bico ensanguentado
um lamento de morte
faz-se ouvir cobrindo o
mundo inteiro.
Caim o escuta, o
morto Abel o escuta,
mil o escutam sob o
toldo celeste,
dez mil e mais não o
escutam, porém,
sobre a morte de Abel
não querem saber nada,
nada sobre Caim e o
peso em seu coração,
nada do sangue a
jorrar de tantas feridas,
nada da guerra que
estava aí ainda ontem
e da qual sabem agora
lendo romances.
Para esses todos,
alegres e satisfeitos,
fortes e brutos,
Caim e Abel, tristeza
e morte, não existem:
louvam a guerra como
um tempo formidável.
E quando passa voando
o pássaro lamentoso
dizem que é agourento
e pessimista,
sentem-se fortes e
invictos,
e apedrejam o pássaro
até fazê-lo calar e
sumir,
ou tocam música para
não mais o ouvirem
porque a voz triste
dele os incomoda.
O pássaro com suas
pequeninas
gotas de sangue no
bico, voa de um a outro lugar
e o seu pranto por
Abel não para de ressoar.
Referências:
Em Alemão
Em Português
HESSE, Hermann. Canto da morte de Abel.
Tradução de Geir Campos. In: __________. Andares:
antologia poética. Tradução de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira,
1976. p. 157-158.
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