Por uma criança pequena que ficou exposta às notícias trágicas do mundo,
veiculadas por meio da televisão – num mundo no qual a internet, possivelmente,
ainda não estava disponível, quando então o poder de multiplicação dos
infortúnios ao infinito era muitíssimo menor –, põe-se o pai a imaginar se não
teria sido melhor que ela nunca tivesse existido.
Ou melhor: por amor à criança, se não seria melhor que ela tivesse uma
vida breve, em vez da sempre desejada “vida longa”, invocada nos dias
natalícios. Mas a se imaginar tal incerteza, a felicidade humana seria uma
improbabilidade, pois notícias ruins sempre andam à solta, competindo a cada um
virar-lhes o rosto e seguir em frente, em busca de instantes venturosos.
J.A.R. – H.C.
Heiner Müller
(1929-1995)
Tristan 1993
Gestern hatte mein
Kind einen fremden Blick
Eine
Schreckensnachricht einen Werbespot lang
In den Augen meines
Kindes las ich
Der zu viel gesehen
hat die Frage
Ob die Welt die Mühe
des Lebens noch aufwiegt
Einen Augenblick eine
Schreckensnachricht
Einen Werbespot lang
war ich im Zweifel
Soll ich ihm ein
langes Leben wünschen
Oder aus Liebe einen
frühen Tod
O garoto chorando
(Giovanni Bragolin:
pintor italiano)
Tristão 1993
Ontem vi em meu filho
um olhar estranho
Que durou uma notícia
trágica um comercial
Eu li nos olhos do
meu filho
Que já viram coisas
demais a pergunta
Se o mundo ainda vale
o esforço que é a vida
Pelo instante que
durou uma notícia trágica
Um comercial eu
fiquei em dúvida
Se desejava a ele uma
vida longa
Ou por amor uma morte
prematura.
Referência:
MÜLLER, Heiner. Tristan 1993 / Tristão
1993. Tradução de Ricardo Domeneck. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução.
Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em alemão: p. 52; em
português: p. 53.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário