A lição parece mesmo universal: alguém que passa a vida debruçado sobre
livros, em busca de algo significativo – como, no caso relatado, tornar-se um
mandarim –, mas que, mesmo alcançando o objetivo, sente-se infeliz ao final;
por outro lado, um jovem que leva a vida conforme a história bíblica do filho
pródigo. Conclui então o poeta: “uns sobem alto, outros satisfeitos por
rastejar cá em baixo”.
Outra referência passível de se associar ao enredo do poema é a suma ao
final da vida, compendiada pelo autor do Eclesiastes, ou ainda, a velha fábula
infantil, com tropo em Esopo, contando as peripécias de uma formiguinha
laboriosa e previdente ante a mudança das estações, e a cigarra, expansiva e
pouco devotada ao dia de amanhã.
J.A.R. – H.C.
Bai Juyi
(772 d.C.-846 d.C.)
(Pintura de Chen
Hongshou)
悲哉行
悲哉为儒者
力学不知疲
读书眼欲暗
秉笔手生胝
十上方一第
成名常苦迟
纵有官达者
两鬓已成丝
可怜少壮日
适在穷贱时
丈夫老且病
焉用富贵为
沉沉朱门宅
中有乳臭儿
状貌如妇人
光明膏梁肌
手不把书卷
身不擐戎衣
二十袭封爵
门乘勋戚资
春来日日出
服御何轻肥
朝从博徒饮
暮有倡楼期
平封还酒债
堆金选蛾眉
声色狗马外
其馀一无知
山苗与涧松
地势隋高卑
古来无奈何
非独君伤悲
O retorno do filho pródigo
(Gerrit van Honthorst:
pintor holandês)
O letrado infeliz
Sempre a estudar,
jamais cansado,
sempre a ler, quase
até cegar.
Calos nas mãos, dia e
noite segurando a pena,
dez vezes presente
aos exames imperiais,
finalmente, tão
tarde, conseguiu aprovação.
Depois de tanto
trabalho, tanta luta, chegou a
mandarim,
mas os cabelos todos
brancos, poucos os dias felizes.
Na sua juventude era
humilde e pobre,
agora, poderoso e
rico, está velho e doente.
Por detrás dos
portões escarlate vive um rapaz,
quase imberbe, na
boca ainda o gosto do leite da mãe,
mãos finas, pele
suave, rosto afável.
Jamais pegou num
livro, nunca foi soldado,
aos vinte anos herdou
um título e a fortuna do pai.
Chega a Primavera,
ele veste peles esplendorosas
e parte à desfilada
no seu cavalo lustroso.
De dia, bebendo e
jogando com os amigos,
de noite, amando
mulheres em casas de prazer.
Gasta o dinheiro,
paga dívidas de jogo,
inunda de moedas o
leito das prostitutas.
O rapaz só entende de
libertinagem, festas e caçadas.
Todos somos seres
vivos, uns sobem alto,
outros satisfeitos
por rastejar cá em baixo.
Sempre assim desde o
princípio do mundo,
não és só tu a
entender estas coisas.
Referências:
Em Chinês
Em Português
BAI JUYI. O letrado infeliz. Tradução
de António Graça de Abreu. In: __________. Poemas
de Bai Juyi. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Macau
(MO): Instituto Cultural de Macau, 1991. p. 76. (Coleção ‘Clássicos Chineses’;
n. 2)
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