O poeta paranaense, a partir de um ponto de vista que seria o de uma
pessoa dedicada à guarda de patrimônio alheio, externaliza os sentimentos
de quem, no quotidiano, alimenta-se de inquietações e desalentos, tanto mais
que obrigado a vestir-se como se fosse de uma outra classe que não a sua, no
caso, bem mais humilde.
Trata-se, obviamente, de uma categoria de trabalhadores exposta, no mais
das vezes, à friagem da noite, assim como à indiferença e à “invisibilidade” no
trato, pois, como bem o afirma Zeni, o “bom dia” e o “bom descanso” não se
revestem de alguma simpatia ou apreço ao ser humano que, em última instância, porteiros, seguranças e vigias representam, senão apenas de uma cordialidade
extraída à força pelo efeito dos costumes.
J.A.R. – H.C.
Bruno Zeni
(n. 1975)
Prece diária para porteiros, seguranças
e vigias
Dai-me forças para
que o tempo
me seja leve – as
horas passem sem vagar
e o frio não fustigue
minha carne em demasia;
Enviai-me pensamentos
viciosos
na medida em que
minha sensatez e meu humor
possam resistir à
insanidade;
Impedi que a sensação
de desconforto e desacordo
causada por este
terno-e-gravata
me abata além da
conta;
Fazei com que não
perca a serenidade em caso de
perturbação –
conservando, assim,
sem uso as armas de
fogo que forem confiadas;
Mantende minha crença
de que ainda não perdemos
o interesse recíproco
por nossas vidas tão desiguais –
mesmo que os olhos
dos homens a mim não se dirijam
ou sejam vazios o
“bom-dia” e o “bom descanso” diários;
Afastai-me da
tentação de atentar contra aqueles que me
contrataram,
pois não sabem o que
fazem –
ainda que seu
alheamento alimente em mim
uma hesitante mas
crescente revolta;
Mas,
sobretudo,
livrai-me
e nos livrai
da ideia avassaladora
de que não me resta
e não nos resta
outra escolha.
O porteiro a assobiar
(Dan Ferguson: pintor
inglês)
Referência:
ZENI, Bruno. Prece diária para
porteiros, seguranças e vigias. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa companhia: poesia. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2003. p. 79-80.
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