Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Caetano Veloso - Livros

Caetano é um letrista versado – e dos maiores – da Música Popular Brasileira. E também poeta, “por que não?”: quem colocaria em dúvida o esmero dos versos de “Quereres” ou, ainda, de “Língua” – um tributo ao idioma português, lapidado e recriado por Pessoa e Rosa, ou por outra via, a língua que o vate maior, Camões, fez rebrilhar nas oitavas de “Os Lusíadas”.

Neste poema, vai ele ao encontro dos livros, fazendo lembrar aquela máxima do também poeta, seu conterrâneo, Castro Alves: “Bendito aquele que semeia livros, livros à mancheia, e manda o povo pensar”. Pois os livros são como a radiação de um corpo negro, expansiva até os limites do universo – se é que os há: “Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é o que pode lançar mundos no mundo”. E temos aí um giro completo, retornando a Camões!

Caetano também não se afasta de seu dileto ramo – a música –, pois há claras conexões de alguns dos versos do poema, como o primeiro da primeira estrofe e o derradeiro da segunda, à letra da canção “Chão de Estrelas”, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, que, aliás, mereceu interpretação de sua irmã Maria Bethânia, como se pode ratificar no vídeo abaixo.


J.A.R. – H.C.

Caetano Veloso
(n. 1942)

Livros

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

(Do CD ‘Livro’, de 1997)

Natureza-Morta com Livros Antigos e Vela
(Igor Mościcki: pintor polonês)

Referência:

VELOSO, Caetano. Livro. In: PINTO, Manuel da Costa (Seleção e organização). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha, 2006. p. 361-362.

Nenhum comentário:

Postar um comentário