Nada de formulações matemáticas – métricas, aritméticas, álgebras,
geometrias – para se apurar a criação poética. Nada que decorra do processo
dito civilizatório – cultura, progresso, dinheiro ou que tais. Nem mesmo o que resulte
de raciocínios mentais elaborados – ética, legislação ou ciência.
Tudo porque a poesia tem subsunção aos três ‘ss’ nomeados pelo autor –
sombra, silêncio e solidão –, três serpentes que atentam o poeta em seu paraíso
interior, fazendo verter o fruto do pensamento – que Almeida julga até melhor
que o amor –, parecendo-me então, pela lógica, que as obras do tirocínio têm
mais valor que aquelas geradas naqueles instantes em que os amantes já perderam,
por completo, o domínio da cabeça.
J.A.R. – H.C.
Guilherme de Almeida
(1890-1969)
Convite à Poesia
(Excerto inicial)
Vem ó minha Alma! Deixa
essa vida aritmética
que soma, diminui, multiplica,
divide;
que acredita em si mesma
e se finge de cética,
e que erra sempre, e acerta
só quando coincide!
Eis as formas que, dia
e noite, ante outros tomo
(sim, porque a noite é
um quadro-negro e o dia, um giz):
“maior que”, “menor que”,
“está para”, “assim como”,
“igual a”, “fração de”,
“logaritmo de x”...
Deixa essas nigromancias
vãs, e a prisão baixa
do comprimento, da largura
e da espessura:
a quarta dimensão, no
incógnito em que se acha,
tem mais distância, mais
conforto, mais altura.
Em três colunas no ar
o homem pousou seu teto:
o Progresso, a Cultura
e a Civilização.
Prefere o pedestal do
esquecido Arquiteto:
sobe à Sabedoria e dá-me
a tua mão!
Dinheiro? lei? moral?
pátria? máquina? ciência?
política? família? arte?
literatura?...
– são cousas que o homem
faz e adora na inconsciência
do criador que se sujeita
à criatura.
Busca a Sombra, o Silêncio
e a Solidão: três SS,
três serpentes do teu
Paraíso Interior.
Prova o fruto que, assim,
tu mesma te ofereces:
chama-se Pensamento e
é até melhor que o Amor...
Pitágoras
(Detalhe de ‘A Escola
de Atenas’)
(Rafael Sanzio:
pintor italiano)
Referência:
ALMEIDA, Guilherme. Convite à poesia
(excerto inicial). In: __________. Os
melhores poemas de Guilherme de Almeida. Seleção de Carlos Vogt. 2. ed. São
Paulo, SP: Global, 2001. p. 102. (‘Os melhores poemas’; v. 28)
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