Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 7 de maio de 2019

Denise Levertov - Contrabando

Embora tenha surgido um muro entre os homens e Deus, em razão de que aqueles, descumprindo a ordem, vieram a provar do fruto da árvore da vida e da razão, Deus persiste em acompanhá-los, como réstias de fé que o monitoram em seus transes de dúvida, “pelo sim, pelo não”.

A criatura capitulou à ideia de ser um Deus, criando outros mundos à sua imagem. Mas tais mundos são gêneses de segundo grau, não originárias, a encerrar muito do que, na humanidade, resvala para o erro e a prepotência. E só a natureza para reparar os estragos e restabelecer o equilíbrio com sua endógena sabedoria!

O pecado original não nos deixa em paz, pois é enigmático, ainda que somente seja porque a distinção entre o bem e o mal está em conexão com a faculdade da razão e com a promessa de Satanás de que “seremos como deuses”. Denise Levertov redige um poema sobre o nosso arrependimento (MILOSZ, 1998, p. 278).

J.A.R. – H.C.

Denise Levertov
(1923-1997)

Contraband

The tree of knowledge was the tree of reason.
That’s why the taste of it
drove us from Eden. That fruit
was meant to be dried and milled to a fine powder
for use a pinch at a time, a condiment.
God had probably planned to tell us later
about this new pleasure.
We stuffed our mouths full of it,
gorged on but and if and how and again
but, knowing no better.
It’s toxic in large quantities; fumes
swirled in our heads and around us
to form a dense cloud that hardened to steel,
a wall between us and God, Who was Paradise.
Not that God is unreasonable – but reason
in such excess was tyranny
and locked us into its own limits, a polished cell
reflecting our own faces. God lives
on the other side of that mirror,
but through the slit where the barrier doesn’t
quite touch ground, manages still
to squeeze in – as filtered light,
splinters of fire, a strain of music heard
then lost, then heard again.

Adão, Eva e a Serpente
(Detalhe na Capela Sistina)
(Michelangelo Buonarroti: pintor italiano)

Contrabando

A árvore do conhecimento era a árvore da razão.
É por isso que a prova de seu fruto
distanciou-nos do Éden. Esse fruto
fora concebido para ser secado e moído
até obter-se um pó fino
a ser usado em pitadas de cada vez, como um condimento.
Deus, provavelmente, havia planejado nos contar mais tarde
sobre esse novo deleite.
Enchemos nossas bocas com ele,
abarrotamo-nos com mas e se e como e novamente
com mas, sem aprimorar o conhecimento.
É tóxico em grandes quantidades: vapores
serpenteando à volta de nossas cabeças e ao nosso redor
formaram uma densa nuvem, enrijecida como aço,
erigindo um muro entre nós e Deus, que era o Paraíso.
Não é que Deus seja desarrazoado – porém a razão
a exceder dessa forma era uma tirania,
e nos trancafiou em seus próprios limites, uma cela polida
refletindo nossos próprios rostos. Deus vive
do outro lado desse espelho,
mas através da fenda entre o gradil
e o solo, espremendo-se, ainda consegue
penetrar – como uma luz filtrada,
chispas de fogo, um tipo de música que se ouve,
logo cessa, e de novo se faz audível.

Referência:

LEVERTOV, Denise. Contraband. MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 278.

Nenhum comentário:

Postar um comentário