Embora tenha surgido um muro entre os homens e Deus, em razão de que
aqueles, descumprindo a ordem, vieram a provar do fruto da árvore da vida e da
razão, Deus persiste em acompanhá-los, como réstias de fé que o monitoram em seus
transes de dúvida, “pelo sim, pelo não”.
A criatura capitulou à ideia de ser um Deus, criando outros mundos à sua
imagem. Mas tais mundos são gêneses de segundo grau, não originárias, a
encerrar muito do que, na humanidade, resvala para o erro e a prepotência. E só
a natureza para reparar os estragos e restabelecer o equilíbrio com sua
endógena sabedoria!
O pecado original não nos deixa em paz,
pois é enigmático, ainda que somente seja porque a distinção entre o bem e o
mal está em conexão com a faculdade da razão e com a promessa de Satanás de que
“seremos como deuses”. Denise Levertov redige um poema sobre o nosso
arrependimento (MILOSZ, 1998, p. 278).
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
Contraband
The tree of knowledge
was the tree of reason.
That’s why the taste
of it
drove us from Eden.
That fruit
was meant to be dried
and milled to a fine powder
for use a pinch at a
time, a condiment.
God had probably
planned to tell us later
about this new
pleasure.
We stuffed our mouths
full of it,
gorged on but and if and how and again
but, knowing no better.
It’s toxic in large
quantities; fumes
swirled in our heads
and around us
to form a dense cloud
that hardened to steel,
a wall between us and
God, Who was Paradise.
Not that God is
unreasonable – but reason
in such excess was
tyranny
and locked us into
its own limits, a polished cell
reflecting our own
faces. God lives
on the other side of
that mirror,
but through the slit
where the barrier doesn’t
quite touch ground,
manages still
to squeeze in – as
filtered light,
splinters of fire, a
strain of music heard
then lost, then heard
again.
Adão, Eva e a Serpente
(Detalhe na Capela
Sistina)
(Michelangelo
Buonarroti: pintor italiano)
Contrabando
A árvore do
conhecimento era a árvore da razão.
É por isso que a
prova de seu fruto
distanciou-nos do
Éden. Esse fruto
fora concebido para
ser secado e moído
até obter-se um pó
fino
a ser usado em pitadas de cada vez, como um condimento.
Deus, provavelmente,
havia planejado nos contar mais tarde
sobre esse novo deleite.
Enchemos nossas bocas
com ele,
abarrotamo-nos com mas e se e como e novamente
com mas, sem aprimorar o conhecimento.
É tóxico em grandes
quantidades: vapores
serpenteando à volta
de nossas cabeças e ao nosso redor
formaram uma densa nuvem,
enrijecida como aço,
erigindo um muro
entre nós e Deus, que era o Paraíso.
Não é que Deus seja
desarrazoado – porém a razão
a exceder dessa forma
era uma tirania,
e nos trancafiou em
seus próprios limites, uma cela polida
refletindo nossos
próprios rostos. Deus vive
do outro lado desse
espelho,
mas através da fenda
entre o gradil
e o solo, espremendo-se,
ainda consegue
penetrar – como uma
luz filtrada,
chispas de fogo, um
tipo de música que se ouve,
logo cessa, e de novo
se faz audível.
Referência:
LEVERTOV, Denise. Contraband. MILOSZ,
Czeslaw (Ed.). A book of luminous
things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY:
Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 278.
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