Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 14 de maio de 2019

Carlos Nejar - O Poeta

É com o alimento provido pelo poeta que as palavras, como bezerros novos, ganham força para avançar até onde terceiros, contemplando-as, atribuem-lhes sentidos que vão muito além do suporte inocente do vernáculo, ou por outros modos, o sistema nelas enxerga, enquanto rede sinistra concatenada nos porões, um poder capaz de armar e desarmar explosões.

O poeta, por óbvio, é um pai adotivo das palavras, haja vista que elas lhe precedem em muito no domínio temporal – e enquanto pai adotivo cumpre-lhe associá-las em um todo comunal, no qual o condimento poético é a liga capaz de mantê-las perenemente na memória dos leitores de todas as épocas.

J.A.R. – H.C.

Carlos Nejar
(n. 1939)

O Poeta

Sob a enxovia de canários, o poeta alimenta as
palavras como bezerros novos. É tão mortalmente
pobre para si e visionário aos outros.

As palavras sabem de onde vieram e ele desconhece
as tempestades de areia sobre o berço.

As palavras soletram o alfabeto, mas o alfabeto
é uma rede sinistra no porão, carnívora, onde o
Sistema arma, desarma as explosões.

O poeta é pai das palavras e todas elas são
inocentes.

Em: “Memórias do Porão” (1985)

Bela Obsessão
(Alexei Butirskiy: pintor russo)

Referência:

NEJAR, Carlos. O poeta. In: __________. Antologia poética de Carlos Nejar. Prefácio, organização e selecção de António Osório. 1. ed. Cascais, PT: Pergaminho, 2003. p. 132. (‘Poesia Fértil: lembrando Paul Eluard’; nº 4)

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