Neste excerto de um longo poema, de matiz trágico ainda que inspirador,
o cineasta italiano presta homenagens ao filósofo marxista, seu conterrâneo,
ele que veio a falecer pouco tempo depois de ter sido libertado
condicionalmente pela polícia fascista em razão de problemas de saúde, com
algo mais que 46 anos, tendo sido enterrado insultuosamente pelo regime no
cemitério romano para estrangeiros.
É de se ressaltar os modos distintos em que ambos – o cineasta e o filósofo
– assumiam a mesma tarefa de encetar críticas a uma sociedade desigual,
Pasolini mediante seus filmes e ensaios, nos quais explora, com preocupação
afetiva e estética, a árdua vida do subproletariado nos arredores de Roma (IT),
enquanto Gramsci por meio de formulações no plano da política e das estratégias
para alcançá-la.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
Le ceneri di Gramsci
IV
Lo scandalo del
contraddirmi, dell’essere
con te e contro te;
con te nel cuore,
in luce, contro te
nelle buie viscere;
del mio paterno stato
traditore
– nel pensiero, in
un’ombra di azione –
mi so ad esso
attaccato nel calore
degli istinti,
dell’estetica passione;
attratto da una vita
proletaria
a te anteriore, è per
me religione
la sua allegria, non
la millenaria
sua lotta: la sua
natura, non la sua
coscienza; è la forza
originaria
dell’uomo, che
nell’atto s’è perduta,
a darle l’ebbrezza
della nostalgia,
una luce poetica: ed
altro più
io non so dirne, che
non sia
giusto ma non
sincero, astratto
amore, non accorante
simpatia…
Come i poveri povero,
mi attacco
come loro a umilianti
speranze,
come loro per vivere
mi batto
ogni giorno. Ma nella
desolante
mia condizione di
diseredato,
io possiedo: ed è il
più esaltante
del possessi
borghesi, lo stato
più assoluto. Ma come
io possiedo la storia,
essa mi possiede; ne
sono illuminato:
ma a che serve la
luce?
Antonio Gramsci
(1891-1937)
As cinzas de Gramsci
IV
O escândalo de me contradizer,
de estar
com e contra ti;
contigo no peito,
à luz, contra ti nas
negras entranhas;
de meu estado paterno
traidor
– numa sombra de
ação, em pensamento –,
sei que a ele me
apego no calor
dos instintos, da
paixão estética;
atraído pela vida proletária
mesmo antes de ti,
sua alegria é
para mim religião,
não sua luta
milenar; sua
natureza, não sua
consciência; é a
força originária
do homem, perdida
enquanto se fazia,
que lhe dá um fervor
da nostalgia,
uma luz poética; e
outra coisa
dizer não saberia que
não fosse
justa, mas insincera,
abstrato
amor, não dolorosa
simpatia…
Pobre entre pobres,
assim como eles
me apego a esperanças
humilhantes,
e como eles para
viver combato
todo dia. Mas nesta
condição
desesperadora de
deserdado
eu possuo, possuo a
mais exaltante
das possessões
burguesas, o estado
mais absoluto. Mas,
se possuo a história,
ela me possui, e dela
me ilumino:
mas de que serve a
luz?
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. Le ceneri di
Gramsci / As cinzas de Gramsci. Tradução de Maurício Santana Dias. In:
__________. Poemas. Tradução e notas
de Maurício Santana Dias. Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e
Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São
Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 66 e 68; em português: p. 67 e
69.
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