Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Pier Paolo Pasolini - As cinzas de Gramsci (seção IV)

Neste excerto de um longo poema, de matiz trágico ainda que inspirador, o cineasta italiano presta homenagens ao filósofo marxista, seu conterrâneo, ele que veio a falecer pouco tempo depois de ter sido libertado condicionalmente pela polícia fascista em razão de problemas de saúde, com algo mais que 46 anos, tendo sido enterrado insultuosamente pelo regime no cemitério romano para estrangeiros.

É de se ressaltar os modos distintos em que ambos – o cineasta e o filósofo – assumiam a mesma tarefa de encetar críticas a uma sociedade desigual, Pasolini mediante seus filmes e ensaios, nos quais explora, com preocupação afetiva e estética, a árdua vida do subproletariado nos arredores de Roma (IT), enquanto Gramsci por meio de formulações no plano da política e das estratégias para alcançá-la.

J.A.R. – H.C.

Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)

Le ceneri di Gramsci

IV

Lo scandalo del contraddirmi, dell’essere
con te e contro te; con te nel cuore,
in luce, contro te nelle buie viscere;

del mio paterno stato traditore
– nel pensiero, in un’ombra di azione –
mi so ad esso attaccato nel calore

degli istinti, dell’estetica passione;
attratto da una vita proletaria
a te anteriore, è per me religione

la sua allegria, non la millenaria
sua lotta: la sua natura, non la sua
coscienza; è la forza originaria

dell’uomo, che nell’atto s’è perduta,
a darle l’ebbrezza della nostalgia,
una luce poetica: ed altro più

io non so dirne, che non sia
giusto ma non sincero, astratto
amore, non accorante simpatia…

Come i poveri povero, mi attacco
come loro a umilianti speranze,
come loro per vivere mi batto

ogni giorno. Ma nella desolante
mia condizione di diseredato,
io possiedo: ed è il più esaltante

del possessi borghesi, lo stato
più assoluto. Ma come io possiedo la storia,
essa mi possiede; ne sono illuminato:

ma a che serve la luce?

Antonio Gramsci
(1891-1937)

As cinzas de Gramsci

IV

O escândalo de me contradizer, de estar
com e contra ti; contigo no peito,
à luz, contra ti nas negras entranhas;

de meu estado paterno traidor
– numa sombra de ação, em pensamento –,
sei que a ele me apego no calor

dos instintos, da paixão estética;
atraído pela vida proletária
mesmo antes de ti, sua alegria é

para mim religião, não sua luta
milenar; sua natureza, não sua
consciência; é a força originária

do homem, perdida enquanto se fazia,
que lhe dá um fervor da nostalgia,
uma luz poética; e outra coisa

dizer não saberia que não fosse
justa, mas insincera, abstrato
amor, não dolorosa simpatia…

Pobre entre pobres, assim como eles
me apego a esperanças humilhantes,
e como eles para viver combato

todo dia. Mas nesta condição
desesperadora de deserdado
eu possuo, possuo a mais exaltante

das possessões burguesas, o estado
mais absoluto. Mas, se possuo a história,
ela me possui, e dela me ilumino:

mas de que serve a luz?

Referência:

PASOLINI, Pier Paolo. Le ceneri di Gramsci / As cinzas de Gramsci. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Poemas. Tradução e notas de Maurício Santana Dias. Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 66 e 68; em português: p. 67 e 69.

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