A entretecer um jogo de ideias sobre os temas da vida e da morte, da
felicidade e da desventura, em conjugação com um voo a fazer piruetas no ar,
qual trilha de um viandante aéreo em forma de oito, Cecília não foge aos motivos que lhe são tão caros, a atravessarem como uma divisa todas as suas belas
criações poéticas.
Ela pressente a volatilidade das palavras, que não conseguem perdurar
pela eternidade e, por isso, pervaga o “território dos mitos” onde poderá
contemplar os “precipícios da humana e mortal história”. Daí se poderá atribuir
uma interpretação tentativa ao fecho do poema: embora seja concebível, em algum
momento, desejar-se a morte, há nela menos felicidade do que na conjunção natalícia.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Oito
Ó linguagem de
palavras
longas e
desnecessárias!
Ó tempo lento
de malbaratado vento
nessas desordens
amargas
do pensamento…
Vou-me pelas altas
nuvens
onde os momentos se
fundem
numa serena
ausência feliz e
plena,
liso campo sem
paludes
de febre ou pena.
Por adeuses, por
suspiros,
no território dos
mitos,
fica a memória
mirando a forma
ilusória
dos precipícios
da humana e mortal
história.
E agora podeis
tratar-me
como quiserdes – que
é tarde,
que a minha vida,
de chegada e de
partida,
volta ao rodízio dos
ares,
sem despedida.
Por mais que seja
querida,
há menos felicidade
na volta do que na
ida.
Em: “O Aeronauta” (1952)
O Aeronauta
(Bazhenov Sergey:
artista russo)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Oito. In:
__________. Poesias completas. V.
III. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira & INL, 1973. p. 28.
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