Luís Vaz de Camões [1524 (...) –
10/6/1580], poeta entre os maiores da literatura em língua portuguesa,
influenciou muitos outros autores que lhe sucederam, inclusive em outros
países, como é o caso do espanhol Francisco de Quevedo [14/9/1580 – 8/9/1645].
Como se nota, Quevedo nasceu
apenas alguns meses depois do falecimento de Camões. Dir-se-ia, ao gosto dos
que apreciam as digressões metafísicas, um seu sucedâneo imediato!
Numa de suas criações líricas mais
famosas, plena de antíteses e de paradoxos, Camões lança-se à inglória tarefa
de delimitar o que seja um dos mais absorventes sentimentos humanos: o amor.
E o faz concentrando, nas poucas
linhas do soneto, tudo aquilo em que já se gastaram miríades de laudas para
tanto: é o “perder a cabeça” em atos que fogem à lógica; é o “consumir-se” em
ciúmes desenfreados da pessoa amada; é o acordo de fidelidade sempre sob a
ameaça do rompimento; é o só ter olhos na direção do(a) amado(a), e por aí vai!
Amor é fogo que arde
sem se ver
(Luís Vaz de Camões)
Amor
é fogo que arde sem se ver;
É
ferida que dói e não se sente;
É
um contentamento descontente
É
dor que desatina sem doer;
É
um não querer mais que bem querer;
É
solitário andar por entre a gente;
É
nunca contentar-se de contente;
É
cuidar que se ganha em se perder;
É
querer estar preso por vontade;
É
servir a quem vence, o vencedor;
É
ter com quem nos mata lealdade.
Mas
como causar pode seu favor
Nos
corações humanos amizade,
Se
tão contrário a si é o mesmo Amor?
Francisco
de Quevedo, ao acolher o mesmo tema acolhido por Camões, elabora uma paródia ao
poema deste, chegando mesmo a transcrever-lhe integral e deliberadamente alguns
versos, sem que, com isso – e esta é uma percepção que também se funda na excelência
da produção do espanhol! – se possa caracterizá-la como um plágio.
De
similar, persiste o jogo antitético e antinômico da criação primeira, embora se
perceba na paródia algo que se lhe aproxima do jocoso, afastando-a, por isso
mesmo, da modulação mais contida do soneto originário. Se estivéssemos na seara
da música clássica, diríamos: ao andamento grave
de Camões, sobreveio um 'vivace' hispano!
Definiendo el Amor
(Francisco de
Quevedo)
Es
hielo abrasador, es fuego helado,
es
herida que duele y no se siente,
es
un soñado bien, un mal presente,
es
un breve descanso muy cansado;
es
un descuido que nos da cuidado,
un
cobarde, con nombre de valiente,
un
andar solitario entre la gente,
un
amar solamente ser amado;
es
una libertad encarcelada,
que
dura hasta el postrero paroxismo;
enfermedad
que crece si es curada.
Éste
es el niño Amor, éste es su abismo.
¡Mirad
cuál amistad tendrá con nada
el
que en todo es contrario de sí mismo!
J.A.R. – H.C.
Referências:
CAMÕES,
Luís Vaz de. Amor é fogo que arde sem se ver. In: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos.
29. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 85-86.
QUEVEDO,
Francisco de. Antología poética. 4.
ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1959. (Colección Austral, n. 362) p. 21-22.
÷ø
Nenhum comentário:
Postar um comentário