Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Luís Carlos de Oliveira - Ebulição da Escravatura

Poeta mineiro radicado em Salvador (BA), Oliveira (n. 1965) atualiza os conceitos que advieram da escravatura pela qual passou a sociedade brasileira – cumpre afirmar, uma das mais longas do mundo dito civilizado –, mas que perdura até os dias presentes, pois os negros persistem como o contingente maior desta sociedade elitista que, de todas as maneiras, procura manter os seus privilégios, colocando o Estado a seu inteiro dispor.

A senzala virou a área de serviço onde as empregadas domésticas têm reduto preferencial, os navios negreiros são os ônibus lotados para transportar o povo até os mais distantes subúrbios – como se sardinhas enlatadas fossem –, a casa-grande transformou-se naqueles edifícios de luxo nos bairros nobres das grandes cidades brasileiras – e tudo isso sob o manto de uma relação empregatícia que limita os vencimentos dos pobres, a quando muito, um salário mínimo...

Ou seja: a “abolição” da escravatura reorientou-se a uma “ebulição” da escravatura, tantos são os seus corolários nefastos em terras brasileiras, que teimam em encher os olhos dos turistas que de longe acorrem para ver um povo que, ainda assim, arroga-se feliz.

J.A.R. – H.C.

O Morro da Favela
(Tarsila do Amaral)

Ebulição da Escravatura

A área de serviço é senzala moderna,
Tem preta eclética, que sabe ler “start”;
“Playground” era o terreiro a varrer.

Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio,
Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;
Não entra no novo quilombo da favela.

Capitão-do-mato virou cabo de polícia,
Seu cavalo tem giroflex (radiopatrulha).
“Os ferros”, inoxidáveis algemas.

Ração poder ser o salário-mímino,
Alforria só com a aposentadoria
(Lei dos sexagenários).

“Sinhô” hoje é empresário,
A casa-grande verticalizou-se.
O pilão está computadorizado.
Na última página são “flagrados” (foto digital)
Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.

A princesa Áurea canta,
Pastoreia suas flores.
O rei faz viaduto com seu codinome.

– Quantos negros?  Quanto furor?
Tantos tambores... tantas cores...
O que comparar com cada batida no tambor?

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“A escravatura não foi abolida;
foi distribuída entre os pobres”.

Interior de Pobres II
(Lasar Segall: pintor lituano)

Referência:

OLIVEIRA, Luís Carlos. Ebulição da escravatura. In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses (Organização e Apresentação). O negro em versos: antologia da poesia negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP: Moderna, 2005. p. 103-104. (“Lendo & Relendo”)

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