Poeta mineiro radicado em Salvador (BA), Oliveira (n. 1965) atualiza os
conceitos que advieram da escravatura pela qual passou a sociedade brasileira –
cumpre afirmar, uma das mais longas do mundo dito civilizado –, mas que perdura
até os dias presentes, pois os negros persistem como o contingente maior desta
sociedade elitista que, de todas as maneiras, procura manter os seus privilégios,
colocando o Estado a seu inteiro dispor.
A senzala virou a área de serviço onde as empregadas domésticas têm
reduto preferencial, os navios negreiros são os ônibus lotados para transportar
o povo até os mais distantes subúrbios – como se sardinhas enlatadas fossem –,
a casa-grande transformou-se naqueles edifícios de luxo nos bairros nobres das
grandes cidades brasileiras – e tudo isso sob o manto de uma relação
empregatícia que limita os vencimentos dos pobres, a quando muito, um salário
mínimo...
Ou seja: a “abolição” da escravatura reorientou-se a uma “ebulição” da
escravatura, tantos são os seus corolários nefastos em terras brasileiras, que
teimam em encher os olhos dos turistas que de longe acorrem para ver um povo
que, ainda assim, arroga-se feliz.
J.A.R. – H.C.
O Morro da Favela
(Tarsila do Amaral)
Ebulição da Escravatura
A área de serviço é
senzala moderna,
Tem preta eclética,
que sabe ler “start”;
“Playground” era o
terreiro a varrer.
Navio negreiro
assemelha-se ao ônibus cheio,
Pelo cheiro vai assim
até o fim-de-linha;
Não entra no novo
quilombo da favela.
Capitão-do-mato virou
cabo de polícia,
Seu cavalo tem
giroflex (radiopatrulha).
“Os ferros”,
inoxidáveis algemas.
Ração poder ser o
salário-mímino,
Alforria só com a
aposentadoria
(Lei dos
sexagenários).
“Sinhô” hoje é
empresário,
A casa-grande
verticalizou-se.
O pilão está
computadorizado.
Na última página são
“flagrados” (foto digital)
Em cuecas, segurando
a bolsa e a automática:
Matinal pelourinho.
A princesa Áurea
canta,
Pastoreia suas
flores.
O rei faz viaduto com
seu codinome.
– Quantos
negros? Quanto furor?
Tantos tambores...
tantas cores...
O que comparar com
cada batida no tambor?
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“A escravatura não
foi abolida;
foi distribuída entre
os pobres”.
Interior de Pobres II
(Lasar Segall: pintor
lituano)
Referência:
OLIVEIRA, Luís Carlos. Ebulição da
escravatura. In: CARLOS DOS SANTOS, Luiz; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses
(Organização e Apresentação). O negro em
versos: antologia da poesia negra brasileira. 1. ed. São Paulo, SP:
Moderna, 2005. p. 103-104. (“Lendo & Relendo”)
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