Eis uma elegia meio tardia de Meyer a Marcel Proust, pois o escritor
francês faleceu em meados de novembro de 1922, e o poema data de uns quatro a cinco
anos depois. Mas o que importa é a memória: para quem escreveu muitas delas em
sete volumes, décadas valem mais do que apenas alguns anos, pois revelam com
maior nitidez os pensamentos, sentimentos e intuições que lograram firmar sulco
nos neurônios do francês.
O arranjo dos versos do gaúcho consegue expor ao leitor os dois
ambientes mais frequentes nas páginas de Proust: o que se passa pelas ruas e imediações
de Paris, de dia ou em celebrações noturnas, tendo por foco os personagens do
grande romance; e outro na penumbra do quarto do escritor, onde se passam as
horas no curso das quais compila as suas lembranças na ciclópica coletânea, em
meio a acessos de asma.
J.A.R. – H.C.
Augusto Meyer
(1902-1970)
Retrato de Cândido
Portinari
Elegia para Marcel Proust
Aleia de bambus,
verde ogiva
recortada no azul da
tarde mansa,
o ouro do sol treme
na areia da alameda,
farfalham folhas,
borboletas florescem.
Portão de sombra em
plena luz.
Gemem as lisas
taquaras como frautas folhudas
onde o vento imita o
mar.
Marcel, menino
mimoso, estou contigo. Proust:
vejo melhor a amêndoa
negra dos teus olhos.
Transparência de uma
longa vigília,
imagino as tuas mãos
como dois pássaros
pousados na penumbra.
Escuta: a vida
avança, avança e morre...
Prender a onda que
franjava a areia loura de Balbec?
Cetim róseo das
macieiras no azul.
Flora carnal das
raparigas à beira-mar.
Bruma esfuminho Paris
pela vidraça
Intermitências chuva
e sol Le temps perdu.
Marcel Proust,
diagrama vivo sepultado na alcova,
o teu quarto era
maior que o mundo:
cabia nele outro
mundo...
Fecho o teu livro
doloroso nesta calma tropical
como quem fecha leve
leve a asa de um cortinado
sobre o sono de um
menino...
Em: Giraluz (1926-1927)
Retrato de Marcel Proust
(Jacques-Émile
Blanche: pintor francês)
Referência:
MEYER, Augusto. Elegia para Marcel
Proust. In: __________. Poesias: 1922-1955.
Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957. p. 115-116.
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