O voo de imaginação, no caso da poetisa, parece-se a um processo de
metamorfoseamento por que passam, v.g., as lagartas até que venham a se tornar
belíssimas borboletas: é a muda para uma outra esfera, aquela em que são
permitidas todas as hipóteses, mesmo ao largo de toda lógica, isto porque, de
fato, a beleza dela prescinde.
As palavras são pérolas que se associam às coisas que descrevem,
formando um maleável amálgama que se oferece à plena manipulação pelo poeta –
esse verdadeiro geômetra capaz de expandir mundos ao mundo –, quer à flora,
quer à fauna, quer ainda ao mineral domínio – que imoto não está, mas pervagando
como tudo no universo.
J.A.R. – H.C.
Maria Lúcia Dal Farra
(n. 1944)
Poética
De botânica tudo
ignoro
mas amo as palavras
e as árvores e as
flores
e as abelhas que as
inventam
e o inseto a quem
emprestam cor
e a aranha que lhes
filtra (geométrica) a luz,
o gafanhoto, o
besouro
a borboleta.
Elos do mesmo vegetal
estes contêm aqueles
–
são deles a
entranhada memória
a mala:
a muda
no salto para outra
esfera.
Eis como a pétala
ganha asas.
Eis como voo.
Natureza-Morta
(Ambrosius Bosschaert
II: pintor holandês)
Referência:
FARRA, Maria Lúcia Dal. Poética. In:
__________. Alumbramentos. 1. ed.
São Paulo, SP: Iluminuras, 2011. p. 104.
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