Neste excerto de um poema mais longo, o grande dramaturgo francês antepõe
o conhecimento da ciência e o saber que advém da instrução – com potencial para
afastar o homem dos domínios da fé –, à vida de carência dos mais humildes, que,
sem maiores pretensões, depositam as suas esperanças no amor de Deus.
Corneille acentua o fato de que muitos dos homens da ciência são capazes
de uma larga apreensão das circunstâncias da vida, seus fundamentos, elementos
motores e consequências, mas que, do mesmo modo, muito distantes estão de se
conhecerem a si mesmos – deixando de atentar para o insigne aforismo do oráculo
de Delfos.
J.A.R. – H.C.
Pierre Corneille
(1606-1684)
Detalhe de pintura de
Charles Le Brun
La Principale Science
Le désir de savoir
est naturel aux hommes;
Il naît dans leur
berceau, sans mourir qu’avec eux:
Mais, ô Dieu! dont la
main nous fait ce que nous sommes,
Que peut-il, sans ta
crainte, avoir de fructueux?
Un paysan stupide et
sans expérience,
Qui ne sait que
t’aimer et n’a que de la foi,
Yaut mieux qu’un
philosophe enflé de sa science,
Qui pénètre les cieux
sans réfléchir sur soi.
Au grand jour du
Seigneur, sera-ce un grand refuge
D’avoir connu de tout
et la cause et l’effet?
Et ce qu’on aura su
fléchira-t-il un juge
Qui ne regardera que
ce qu’on aura fait?
A Revolta dos Pobres
(Vladimir Feoktistov:
pintor russo)
A Ciência Principal
É próprio dos mortais
o anseio do saber.
Existe desde o berço
e só a morte apaga.
Mas, ó Deus! Cuja mão
nos faz o que nós somos,
Sem teu amor, pode o
saber ser proveitoso?
Um rude camponês, sem
nenhuma instrução,
Que só sabe te amar e
tem somente a fé,
Que um sábio vale
mais, inchado de ciência,
Indagador dos céus e
néscio de si mesmo.
Aos olhos do Senhor,
terá grande valia
Ter tudo conhecido,
as causas e os efeitos?
Pode o nosso saber
aplacar um juiz
Que apenas considera
o que tivermos feito?
Referência:
CORNEILLE, Pierre. La Principale
Science / A Ciência Principal. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio
(Organização e Tradução). Antologia da
poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de
Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p. 112; em português: p. 113.
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