Há certo desconcerto do leitor quando, em primeira leitura, chega ao
final do poema abaixo: certas palavras que morrem, mais pobres, seriam
obsessivas e persistem, contrariamente ao que, em senso comum, se poderia supor
– se mortas estão, não seriam obsessivas, tampouco persistentes...
Mas o fato é que o poeta alude ao tema da morte, quando finados estamos –
e as nossas palavras, nosso discurso, idem –, mas elas reverberam no vácuo que
deixamos, quer físico quer – e principalmente – espiritual, eis que nossas
palavras podem ser ainda contundentes aos ouvidos de nossos pares vivos.
Ou não: a pedra atirada no lago gera círculos concêntricos, mas não há o
que impeça a superfície da água voltar ao seu anterior estado de placidez, vale
dizer, o plano estático que mais se parece ao fenecimento das forças da
natureza.
J.A.R. – H.C.
António Ramos Rosa
(1924-2013)
A pobreza de certas palavras
É para ouvires o som
de um buraco,
certas palavras
despidas, certas palavras pobres:
o som de um buraco.
O sopro que ouvires,
não o ouves, não é o sopro da árvore.
Aqui esqueceu-se o
peso das pedras.
Por isso outras
palavras: as que sobram.
Não as que restam.
Não será um grito.
Certas palavras, só.
A quebra muda, nem
sequer produz um baque.
Eis o que elas
produzem depois de ti:
o som de um buraco.
Entre nós: não o ouvido.
Certas palavras mais pobres,
obsessivas, mortas.
Persistem. Morrem.
Em: “Nos seus Olhos de Silêncio” (1970)
A pequena leitora
(Konstantin Razumov:
pintor russo)
Referência:
ROSA, António Ramos. A pobreza de
certas palavras. In: MENÉRES, Maria Alberta; MELO E CASTRO, E. M. de (Orgs.). Antologia da novíssima poesia portuguesa.
3. ed. 1. vol. Lisboa, PT: Moraes Editores, 1971. p. 206. (‘Círculo de Poesia’;
v. 46)
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