Com o objetivo de descrever a fugacidade e a inconstância da felicidade
humana, Montale emprega algumas metáforas eficazes: marcha sobre uma lâmina
afiada, uma chama débil com potencial para apagar-se ao primeiro sopro de
vento, uma massa de gelo que se estala sob a pressão dos pés.
A felicidade, ante tal perspectiva, nunca é um estado apreendido
definitivamente, ainda que seja, eventualmente, capaz de fazer-nos levantar com
um ar luminoso pela manhã, pois, no geral, o que impera é a dor da existência,
como a de uma criança que deixa escapar a bola para um ponto mais distante, oportunidade em que se descobre pouco hábil para capturá-la novamente.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Felicità raggiunta
Felicità raggiunta,
si cammina
per te sul fil di
lama.
Agli occhi sei
barlume che vacilla,
al piede, teso
ghiaccio che s’incrina;
e dunque non ti
tocchi chi più t’ama.
Se giungi sulle anime
invase
di tristezza e le
schiari, il tuo mattino
è dolce e turbatore
come i nidi delle cimase.
Ma nulla paga il
pianto del bambino
a cui fugge il
pallone tra le case.
Crianças
(Vladimir Volegov:
pintor russo)
Felicidade alcançada
Felicidade alcançada,
de quem
anda por ti em lâmina
acerada.
Aos olhos és
vislumbre que vacila,
ao passo, gelo tenso
que estala;
e não te toque pois o
que mais amor te tem.
Se vens sobre as
almas invadidas
de tristeza e as
aclaras, teu ar matutino
é doce e perturbador
como os ninhos dos beirais.
Mas nada repara choro
de menino
a que escapa uma bola
pelos quintais.
Referência:
MONTALE, Eugenio. Felicità raggiunta / Felicidade
alcançada. Tradução de Renato Xavier. In: __________. Ossos de sépia: 1920-1927. Tradução prefácio e notas de Renato
Xavier. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Em italiano: p. 86; em
português: p. 87. (Edição comemorativa dos 25 anos da Companhia das Letras)
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